O que a dengue tem a ver com o coração?
Doença é vilã daqueles que fazem uso contínuo de anticoagulantes e antiagregantes -- incluindo aspirina; cardiologista deve ser informado sobre diagnóstico

Apesar das campanhas de conscientização mundo afora, tudo indica que, ao menos no curto prazo, seguiremos perdendo no jogo contra a dengue. As ações de prevenção desenvolvidas por governos parecem não ser o bastante para conter o avanço da doença, já considerada endêmica em 130 países, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Conhecida inicialmente como patologia de países tropicais e subtropicais, desde 2023, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dengue está presente em países como Afeganistão, Paquistão, Sudão, Somália e Iêmen e a transmissão agora também ocorre na Espanha, Itália e França. Fatores climáticos, como o aquecimento global, propiciam condições ideais para a proliferação do mosquito transmissor Aedes aegypti e explicam a maior abrangência: temperaturas mais altas aceleram seu ciclo de vida — e a consequente replicação do vírus — e o aumento das chuvas contribui para mais criadouros potenciais.
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) relata que, somente nas Américas, 500 milhões de pessoas correm o risco de contrair dengue. Para se ter uma ideia, nos seis primeiros meses de 2024, as notificações excederam a contagem anual de todos os anos anteriores.
No Brasil, apenas em janeiro de 2024, foram registrados mais de 217 mil casos, segundo dados do Ministério da Saúde, mais que o triplo do mesmo período do ano anterior, quando tivemos 65.366 infecções. Até agosto de 2024, o país contabilizou 5.300 mil óbitos por dengue, número quase cinco
vezes maior que o total de 2023.
As mortes são decorrentes de queda brusca da pressão arterial ou hemorragias. Além dos sintomas clássicos, como febre, mal-estar, dor de cabeça, atrás dos olhos e nas articulações e fraqueza, que aparecem geralmente três dias após a picada, a dengue chega a causar aumento das enzimas hepáticas, baixa de plaquetas e miocardite.
Já a dengue grave, conhecida popularmente como hemorrágica, pode resultar em sangramentos e complicações que afetam o sistema circulatório e o coração, com chances de levar à óbito. Mas esta não é a única preocupação dos cardiologistas. No Brasil, estima-se que 14 milhões tenham alguma doença cardiovascular (DCV) e a dengue ainda é mais vilã daqueles que fazem uso contínuo de anticoagulantes e antiagregantes — incluindo aspirina.
Tais medicamentos têm como objetivo “afinar o sangue”, evitando a formação de coágulos, que obstruem a circulação e podem levar ao infarto. Caso haja diagnóstico de dengue hemorrágica, estes remédios devem ser suspensos imediatamente porque potencializam a probabilidade de sangramentos. Já quando a ocorrência for a forma comum da doença, a decisão de interromper ou não o uso ficará a cargo da equipe médica, que buscará o caminho mais seguro. Por isso, é muito importante que seu cardiologista seja informado sobre o diagnóstico de dengue para dar o melhor acompanhamento.
Efeito dominó
Como vimos, a dengue promove um efeito dominó, que começa com a facilidade que o mosquito encontra para proliferar — devido ao acúmulo de água parada em locais e objetos — e termina impactando o tratamento das pessoas com cardiopatias.
Para alavancar a conscientização sobre a gravidade da doença na especialidade, a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) organiza, em seu próximo Congresso (nos dias 19, 20 e 21 de junho de 2025, no Transamerica Expo Center, em São Paulo), um espaço específico para discutir as mudanças climáticas e a situação do paciente que toma anticoagulantes e antiagregantes.
É a primeira vez que, em um evento de cardiologia no Brasil, haverá um espaço específico, Arena ESG, para debater durante três dias, de forma tão profunda, os impactos ambientais, sociais e de governança na cardiologia.
*Ricardo Pavanello é cardiologista e presidente do 45º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)