Os efeitos da adultização no desenvolvimento emocional da criança
Pressão para corresponder a padrões adultos eleva ansiedade, sensação de inadequação e, em casos mais graves, podem levar à depressão

A infância é um período em que a imaginação, o brincar livre e a segurança emocional devem ser prioridades para mães e pais, pois são pilares fundamentais para o desenvolvimento infantil. Mas, na era das redes sociais, esses elementos estão cada vez mais sob ameaça. A exposição precoce a conteúdos e interações online pode mudar o modo como crianças e adolescentes constroem sua percepção do mundo e até de si.
O primeiro impacto é a dificuldade em distinguir fantasia de realidade. O que começa como uma brincadeira pode ser vivido como algo real, e a validação recebida por curtidas e comentários pode se tornar mais importante do que experiências fora da tela. Essa inversão afeta também o papel dos cuidadores, que passam a enfrentar maiores dificuldades para acalmar e ajudar a regular a ansiedade dos filhos.
Outro reflexo preocupante é que o brincar, que deveria ser um espaço para criação e expressão espontânea, também muda. Muitas crianças sentem que precisam “mostrar” algo para um público virtual, e não apenas brincar pelo prazer da diversão. A partir disso, sinais como irritabilidade, alterações no sono, ansiedade, dificuldade de concentração e excesso de competitividade com colegas passam a moldar o comportamento da criança ou do adolescente. Até a autonomia pode ser comprometida, já que a dependência da validação externa atrasa a capacidade de lidar com frustrações e tomar decisões próprias.
O cenário se agrava quando a vida na internet configura uma adultização e até sexualização precoce, tema que vem sendo amplamente debatido no espaço público depois do vídeo produzido pelo youtuber Felca e que traz risco direto para o desenvolvimento emocional e psicológico dos pequenos. A pressão para corresponder a padrões adultos e a exposição a mensagens sexualizadas elevam a ansiedade, a sensação de inadequação e, em casos mais graves, podem levar à depressão. A autoestima passa a depender da aparência ou de atitudes sexualizadas, fragilizando a construção de um senso de valor próprio estável. Nas relações, isso significa mais dificuldade para estabelecer limites saudáveis, compreender consentimento e construir intimidade adequada à idade.
A vulnerabilidade também cresce no ambiente online: exploração, assédio, sexting, cyberbullying e sextorsão são ameaças reais, com impacto psicológico e legal. A sexualização precoce estimula a curiosidade sexual sem acompanhamento adequado, gerando ansiedade e prejudicando a maturação nessa área. E quando conteúdos sexualizados passam a ser consumidos sem filtro, comportamentos abusivos podem ser vistos como normais, aumentando o risco de relações disfuncionais no futuro. Com isso, surgem problemas de sono e concentração, que se somam à menor capacidade de regular emoções, já que a pressão por atuar de forma adulta reduz as oportunidades de vivenciar emoções em contextos seguros.
É essencial oferecer educação sexual adequada à idade, com foco em consentimento, limites e respeito ao corpo. Em casa ou fora dela, o uso da internet precisa ser mediado, com limites claros de tempo de tela e diálogo aberto para tirar dúvidas. Já a autoestima desse grupo deve ser estimulada por meio de atividades que valorizem as competências, autonomia e relações saudáveis e não aparência. Dessa forma, se cria uma base sólida de segurança emocional.
Também é necessário ensinar noções de privacidade, preparar para lidar com situações de cyberbullying, por exemplo, e buscar apoio profissional diante de sinais de comportamentos de risco. Quando escola, família e serviços de apoio atuam juntos, é possível criar uma rede de proteção que envia mensagens consistentes sobre valores, corpo e intimidade. Isso preserva a diversidade cultural, mantendo no centro o bem-estar infantil, que é o que realmente importa.
*Maurício Okamura é referência técnica em psiquiatria no Grupo Amil