Imagine se houvesse uma forma de prolongar o tempo em que podemos reconhecer nossos entes queridos e viver com clareza de pensamento na velhice. Um novo estudo sugere que essa esperança pode estar mais próxima do que se pensava. Publicado na renomada revista científica Nature Medicine, o trabalho mostra que a nova versão recombinante da vacina contra herpes zóster, conhecida como Shingrix, pode atrasar em mais de cinco meses a chegada da demência em idosos que já estão predispostos a desenvolver a doença.
Pelas contas dos pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, são 164 dias a mais sem sintomas de demência – o que pode fazer uma grande diferença para muitos idosos e suas famílias. Isso significa mais tempo para passear no parque, ler um bom livro ou até mesmo reviver lembranças preciosas com os netos. Um tempo que, para aqueles que convivem com a possibilidade de um diagnóstico de Alzheimer ou outra demência, é algo inestimável.
Os cientistas britânicos explicam que a vacina contra o zóster – uma reativação do vírus da catapora – age como se estivesse colocando uma barreira no caminho da demência, fazendo com que sua chegada demore a mais a ocorrer. Eles analisaram prontuários de mais de 200 mil pessoas e perceberam que, após a vacinação com Shingrix, os idosos tinham um risco 17% menor de serem diagnosticados com a doença nos seis anos seguintes, em comparação com aqueles que tomaram a vacina de vírus vivo mais antiga, a Zostavax.
Os resultados transcenderam o esperado e indicam que a nova vacina não só protege contra o herpes zóster, mas também traz benefícios até então não mensurados para a saúde mental dos idosos. Isso acontece porque, ao proteger contra a reativação do patógeno no organismo, o imunizante pode estar indiretamente combatendo um dos fatores de risco da demência.
O estudo também trouxe uma descoberta intrigante: a proteção conferida pela Shingrix foi ainda mais forte nas mulheres. Entre aquelas que tomaram a nova vacina, o tempo sem um diagnóstico de demência foi 22% maior, comparado a 13% entre os homens vacinados. Embora os pesquisadores não saibam ao certo por que isso ocorre, o dado reforça a necessidade de estudos futuros focados em diferenças de resposta imunológica entre os sexos.
A descoberta também acende um alerta para aqueles que ainda têm receios sobre a vacinação. Além de proteger contra o herpes zóster, que causa dores e complicações na velhice, a Shingrix agora parece ter um potencial de benefício ainda mais amplo, o que pode motivar mais pessoas a buscarem o imunizante.
O estudo também comparou os efeitos da Shingrix com outras vacinas comumente administradas em idosos, como a vacina contra influenza e a vacina contra tétano/difteria/coqueluche. Nos indivíduos que receberam a Shingrix, o risco de demência foi consideravelmente menor, com um aumento de até 27% no tempo sem diagnóstico da doença em comparação com os outros imunizantes.
Isso sugere que o efeito protetor pode ir além da prevenção do zóster e atuar de maneira mais específica contra fenômenos que aceleram o desenvolvimento de demência. Os pesquisadores, no entanto, enfatizam que esses resultados ainda precisam ser validados por novos estudos antes que qualquer recomendação formal seja feita.
Embora os resultados sejam encorajadores, a pesquisa é de natureza observacional, o que significa que ainda há muitas perguntas sem respostas. O próximo passo é realizar ensaios clínicos mais controlados para entender se a vacina realmente previne a demência ou apenas atrasa a chegada da demência em idosos que já estão predispostos a desenvolver a doença.
Além disso, estudos adicionais sobre o impacto da vacinação em grupos específicos, como pessoas com histórico familiar de doenças neurodegenerativas, podem ajudar a desenhar novas estratégias de prevenção.
O que se sabe até agora é que a Shingrix já é uma opção recomendada para todos os idosos, protegendo contra o herpes-zóster. Com esses novos dados, a vacina pode ganhar ainda mais força como um aliado na luta contra a demência, oferecendo não apenas proteção física, mas também um precioso tempo a mais para que que idosos vivam com lucidez e independência.
* Paulo Gewehr é infectologista e coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre