‘Vinagre de maçã’: o perigo das falsas esperanças e curas naturais
Lançamento de série da Netflix sobre bastidores do mercado de cura natural e promessas contra o câncer ilumina ameaças escondidas em discursos sedutores

A era digital trouxe consigo uma avalanche de informações – e nem todas elas são benéficas. No campo da saúde, essa realidade se torna ainda mais perigosa, especialmente quando falamos de doenças graves como o câncer.
Nos últimos anos, temos testemunhado um fenômeno preocupante: a proliferação de narrativas falsas sobre “curas milagrosas” que se espalham rapidamente nas redes sociais. A história de Belle Gibson, retratada na nova série da Netflix Vinagre de Maçã, serve como um alerta eloquente sobre os riscos em jogo.
Pacientes em momentos de vulnerabilidade são particularmente suscetíveis a falsas esperanças. Quando diagnosticados com uma doença grave, muitos buscam desesperadamente por alternativas, tornando-se presas fáceis de influenciadores sem formação médica que propagam tratamentos sem qualquer base científica – como ocorre no seriado australiado.
A chamada indústria do bem-estar, que movimentou globalmente US$ 6,32 trilhões em 2023, segundo o Global Wellness Institute, tem papel significativo nessa disseminação. Narrativas sedutoras de “curas naturais” podem desviar pacientes de tratamentos comprovados, comprometendo suas chances de recuperação.
Os perigos são múltiplos: atraso no tratamento adequado; interferência em protocolos médicos estabelecidos; geração de ansiedade e falsas expectativas; e possível agravamento do quadro clínico.
Como médico, minha missão é clara: orientar pacientes para fontes confiáveis de informação. A medicina baseada em evidências não é um luxo, mas uma necessidade fundamental.
No Brasil, com a estimativa de 704 mil novos casos de câncer em 2025, a educação médica (e a do paciente) se torna ainda mais crítica. Precisamos empoderar a sociedade com conhecimento científico, não com promessas vazias.
A verdadeira cura não reside em receitas milagrosas ou soluções instantâneas, mas no compromisso com o conhecimento médico, no acompanhamento rigoroso com especialistas e na esperança fundamentada em tratamentos comprovados. Nossa responsabilidade, como profissionais de saúde, é desarmar o poder da desinformação, uma batalha que travamos não com força, mas com conhecimento, ética e compaixão.
* Carlos Gil Ferreira é oncologista, diretor médico da Oncoclínicas&Co e presidente do Instituto Oncoclínicas