Prioridade legislativa: a Reforma do Processo Tributário
A proposta visa, em resumo, estabelecer melhor diálogo entre contribuintes e o Fisco

Apesar do protagonismo da Reforma da Tributação do Consumo, uma outra importante reforma de natureza tributária vem tramitando, com menor alarde, no Legislativo, e tem o potencial de trazer simplificação e segurança jurídica para as empresas, bem como benefícios para o próprio Fisco: trata-se da Reforma do Processo Tributário.
Ainda que o tema pareça ser de interesse exclusivo de advogados, a verdade é que o aprimoramento das regras do processo tributário traz impactos positivos para os contribuintes em geral e para os entes públicos. Isso, porque o custo das empresas com a administração tributária não se limita à compreensão das normas e operacionalização do pagamento de tributos. As leis existentes, muitas vezes confusas e contraditórias, somadas à intransigência/sanha arrecadatória do Estado, quase inevitavelmente, levam as empresas brasileiras a litígios tributários, administrativos ou judiciais.
O custo das empresas com o contencioso tributário brasileiro é fator que também prejudica nossa competitividade e afasta empresários do país. Um estudo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e da Ernst & Young de 2019 identificou que a conclusão de um processo tributário no Brasil leva, em média, aproximadamente 19 anos, somadas as etapas administrativas e judiciais. Significa que empresas têm quase duas décadas de custos com o acompanhamento desses processos, remuneração de contadores e advogados e a total incerteza sobre o desfecho de um litígio. Muitas vezes esses processos têm valores milionários e sua solução significa a vida ou morte de uma empresa.
Isso sem falar de discussões pontuais inerentes a esses processos, como a validade de determinadas garantias aos débitos tributários, que ora são aceitas, ora são rejeitadas pelo Fisco e pelos Tribunais, e demandam que as empresas gastem valores elevados com seguros-garantias, cartas de fiança e outros instrumentos. Além disso, também há um gasto bilionário de verbas públicas, com o pagamento de salários de juízes, procuradores, assessores, oficiais de justiça, criação de novos tribunais e varas e inúmeras outras despesas que sustentam o custo desses litígios tributários.
Estudos do Insper indicam que o contencioso tributário brasileiro alcança 75% do PIB. A média do contencioso administrativo para países da OCDE é de 0,28% do PIB, para se ter uma ideia da desproporção tupiniquim.
É por isso que, em 2022, mereceu elogios a formação de uma Comissão de Juristas, criada pelo senador Rodrigo Pacheco e pelo Ministro Luiz Fux, à época, presidentes do Senado e do STF, respectivamente, para elaboração de anteprojetos de unificação e modernização do processo tributário – relatados, no Senado, pelo Senador Efraim Filho.
Fui membro de uma das subcomissões que foram criadas para avaliar as necessárias mudanças ao processo legislativo, com a missão de reduzir essa litigiosidade. Mapeamos pontos sensíveis e identificamos oportunidades de melhoria, dentre as quais destaco as regras que possibilitam a arbitragem e o uso de métodos alternativos para solução de conflitos, o que irá conferir celeridade aos processos tributários, com a possibilidade de acordos que beneficiem ambas as partes, com incentivos à conciliação, como a redução de multas e sem a necessidade do longo trâmite tradicional de um processo.
Outra medida interessante veio na nova proposta de Lei de Execução Fiscal, tornando a cobrança de dívidas menos burocrática, como pela autorização de cobrança extrajudicial de débitos de menor valor. Além disso, a proposta cria uma dosimetria na aplicação de multas tributárias, impondo sua redução de acordo com diversos critérios – como bons antecedentes fiscais, inexistência de dolo, fraude ou simulação, e até a razoabilidade da conduta em si.
Destaco também o aprimoramento dos processos de consulta, aqueles nos quais o contribuinte questiona o fisco sobre dúvidas tributárias, visando adequar seu comportamento antes de um litígio. A nova regra consolida as diferentes disposições sobre o tema da consulta, ampliando-a, também, para o Direito aduaneiro, e fortalecem o papel da Receita como um órgão de orientação, e não apenas de fiscalização e punição.
A proposta de Reforma do Processo Tributário visa, em suma, estabelecer melhor diálogo entre contribuintes e o Fisco, de forma que os processos se convertam, na medida do possível, em um ambiente de colaboração, e que o ente público receba o tributo sem sufocar o contribuinte com os custos dos processos atuais. Trata-se de medida que beneficia tanto contribuintes quanto fiscos e tem enorme potencial de destravar um dos principais embaraços enfrentado por empresários, além de reduzir o custo do Estado. Sua aprovação é consenso na comunidade jurídica e, com a aprovação pelo Senado, a expectativa é que a Câmara estabeleça um rápido trâmite e vote o projeto o quanto antes.