Como acontece com populistas que conquistam o eleitorado com ideias impraticáveis, o novo presidente da Argentina, Javier Milei, abandonou propostas inviáveis de campanha como a de cortar relações com o Brasil e a China, os dois principais mercados de exportação do país.
Logo depois de ganhar as eleições, ele manteve a proposta de extinguir o Banco Central, afirmando que a medida seria “inegociável”. Muitos não o levaram a sério, posição que poderá vir a ser confirmada. Milei tende a abandonar essa louca ideia, que se nutria de uma percepção correta: a inflação descontrolada tem a ver, em grande parte, com o financiamento, pelo banco, de gastos excessivos do governo. Por ora, anunciou-se, sensatamente, que o banco será proibido de exercer esse papel. É o que fez a nossa Constituição, cujo Artigo 164, § 1º, diz que “é vedado ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional”.
A promessa de Milei levou analistas a mostrar que nenhuma economia funciona sem um Banco Central, ao qual cabe regular a atividade bancária e dispor sobre capital mínimo e redescontos, funções essenciais. Antes, Milei poderia ter estudado o caso dos EUA, que admira. Após a Convenção de Filadélfia (1787), criou-se o Banco dos Estados Unidos, com atribuições semelhantes às de bancos centrais modernos, mas sem política monetária. Cabia-lhe receber a arrecadação federal e conceder empréstimos ao governo e ao setor privado, vedada a aquisição de títulos públicos.
“A economia dos EUA perdeu riqueza no tempo em que ficou sem uma autoridade bancária”
O mandato era de vinte anos, podendo ser renovado. Os secretários James Madison e Thomas Jefferson se opuseram à ideia, da lavra do titular do Tesouro, Alexander Hamilton. Perderam. O banco nasceu e seu mandato foi renovado em 1816, mas não em 1836. Assim, por 77 anos (1836-1913) inexistiu um regulador e emprestador de última instância aos bancos. Durante esse período, a economia americana sofreu fortes recessões, que poderiam ter sido minimizadas se tivesse havido a renovação.
Diante do pânico de 1907, que se abateu sobre o mercado financeiro, com queda de 50% na Bolsa de Valores, vários bancos faliram, espalhando efeitos negativos sobre a economia. O desastre não foi maior porque o banco J.P. Morgan decidiu redescontar títulos de instituições financeiras em dificuldades e exercer o papel de coordenação típica de um banco central, influenciando outros estabelecimentos a fazer o mesmo.
A crise levou o Congresso a criar a Comissão Monetária Nacional, que investigou as causas do pânico e propôs uma lei para regular o sistema bancário. De suas conclusões nasceu o Federal Reserve, o banco central americano, em 1913. A economia americana seria hoje mais rica se tivesse contornado as crises do período em que funcionou sem uma autoridade monetária e um regulador da atividade bancária. Milei pode não conhecer essa história, mas tende, sem querer, a considerar as lições dos Estados Unidos, evitando extinguir o Banco Central.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872