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Maílson da Nóbrega

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Blog do economista Maílson da Nóbrega: política, economia e história
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O BC e o ocaso do presidente

A independência poderia fazer Lula se livrar de si mesmo

Por Maílson da Nóbrega 6 jul 2024, 08h00

Pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Banco Central (BC) teria reduzido a taxa Selic no dia 19 de junho. Contrariando seus desejos, ela foi mantida em 10,5%, nível que pode prevalecer até os primeiros meses de 2025.

Um pouco antes, Lula iniciara ataques pessoais ao presidente do BC. Disse que Roberto Campos Neto “não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, tem lado político e, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar”. Campos seria um “rapaz” que não se preocupa em “ajudar o país”.

A independência dos bancos centrais é matéria pacífica nos países ricos e em muitos emergentes. Seu objetivo, entre outros, é “proteger” os líderes políticos da tentação de buscar popularidade com políticas monetárias populistas, como ocorreu recentemente na Turquia. O banco central da Alemanha foi o primeiro a se tornar independente, em 1957.

Nos anos 1970 e 1980, as elevadas taxas de inflação deflagraram um movimento global pela independência dos bancos centrais. Em 1977, o Federal Reserve americano recebeu o mandato para assegurar, de forma autônoma, o pleno emprego e a estabilidade dos preços. Os bancos centrais do Reino Unido e do Japão se tornaram independentes em 1997. Nenhum país pode aderir ao euro sem adotar a mesma providência. O Banco Central Europeu nasceu independente em 1997.

Os países relevantes da América Latina têm bancos centrais independentes, embora na Argentina tenha-se criado o hábito de os presidentes do banco central renunciarem a cada mudança do governo, o que minou sua autonomia.

Os ataques foram vistos como um sinal de que queria transferir a Campos Neto a culpa por eventuais fracassos

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Curiosamente, a Lei 4595, de 1964, que criou o Banco Central, fixou mandatos para seus diretores, o que era condição essencial para sua independência. Na primeira mudança de governo, em 1967, o presidente Costa e Silva exigiu que o chefe do banco renunciasse. No governo Geisel, alterou-se a lei, estabelecendo-se que o detentor do cargo podia ser demitido ad nutum, isto é, a juízo exclusivo do chefe do governo. A independência formal renasceu em 2021.

Os ataques de Lula ao BC foram vistos como sinal de que pretenderia transferir ao presidente Campos Neto a culpa por eventual fracasso de suas promessas de governo ou pelo agravamento da crise fiscal, hipóteses não desprezíveis. A estratégia do bode expiratório dificilmente funcionará. Primeiro, porque nas eleições terão decorridos quase dois anos da saída de Campos Neto do Banco Central. Segundo, porque, mostra a experiência internacional, o eleitorado costuma culpar a chefia do governo pela piora de sua situação econômica, mesmo que não seja ele ou ela a origem do problema.

Na verdade, ao contrário do que Lula parece pensar, a submissão da diretoria do BC à sua vontade seria um tiro no pé. Ele não seria “protegido” de sua própria irresponsabilidade. Provocaria uma crise de confiança que desaguaria em elevada inflação, prejudicaria os pobres e reduziria sua popularidade. Seria um triste ocaso. Grande ironia, o BC independente poderia livrar Lula dos seus próprios instintos.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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