Desde o regime militar, fracassaram vários programas para criar uma indústria naval forte no Brasil. Agora, o presidente do BNDES defende sua reedição. A Petrobras fez uma grande encomenda. Dificilmente dará certo.
Há exemplos, é verdade, de estaleiros que exportam para mercados mundiais, como a empresa de Itajaí (SC) que vende barcos de turismo para quarenta países. Sua capacidade de concorrer nesses mercados lhe permite superar, via inovação e eficiência, as desvantagens de nosso ambiente de negócios e da tributação que ainda incide nas exportações. Ela não precisa do governo para continuar competitiva.
Ao que parece, o governo pretende apoiar a construção naval de grande porte, justamente onde fracassamos. Não teríamos como competir com estaleiros chineses. Em 2003, a China respondeu por 59% do faturamento da indústria naval do mundo, de 207 bilhões de dólares. O segundo lugar coube à Coreia do Sul (24%). Outros grandes fabricantes foram o Japão, países da Europa e os Estados Unidos.
Naquele ano, dos dezoito navios de maior porte vendidos, a China construiu quatorze. Nas encomendas recentes, de graneleiros, petroleiros, embarcações de contêineres e transportadores de veículos, a China comandou 79,6%, 72,1%, 47,8% e 82,7%, respectivamente. É difícil acreditar que possamos competir com os chineses, inclusive porque eles têm maior capacidade de conceder subsídios. Será o caso de uma das famosas leis de Murphy, a saber: “Se algo tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará errado”.
“Nos anos 1970 e 1980, o setor só exportava graças a fortes subsídios que hoje não é mais possível conceder”
O BNDES tem essas e outras informações relevantes sobre o setor. Mesmo assim, Lula e o presidente do banco querem recriar o programa naval. Alegou-se que o país já produziu navios competitivos para enfrentar mercados globais, o que é correto. É preciso, no entanto, considerar em que circunstâncias isso aconteceu.
Nos anos 1970 e 1980, havia forte apoio financeiro às vendas externas. Além da desoneração de impostos (ICMS e IPI), concedia-se crédito muito subsidiado com recursos do Fundo de Financiamento das Exportações, operado pela hoje extinta Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil. Ao mesmo tempo, o Ministério da Fazenda concedia subsídios em espécie, de acordo com a importância atribuída a certos segmentos exportadores. Como secretário-geral daquela pasta, coordenei estudos que determinavam os percentuais de cálculo dos respectivos benefícios. O campeão era, lembro-me bem, a indústria naval, que recebia, em dinheiro, 40% do valor exportado de cada navio.
Os subsídios eram aprovados pelo Conselho Monetário Nacional. Não se exigia sua inclusão no Orçamento da União. Isso ficou para trás com os avanços institucionais dos últimos quarenta anos. Mesmo que fosse possível, a rigidez orçamentária não deixaria margem para repetir a benesse.
Em suma, esses arranjos são coisa do passado. Davam certo porque, como costumava dizer o ex-diretor do Banco Central Claudio Mauch, “turbinado, até tijolo voa”.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908