O orçamento secreto e sua fonte — as emendas do relator — constituem grave retrocesso institucional no processo orçamentário. Suas características medievais lembram o patrimonialismo de Portugal da Era das Trevas. O Brasil modernizou suas regras orçamentárias com a extinção da conta movimento no Banco do Brasil e do Orçamento Monetário (OM). O BB sacava sem limites no Banco Central para fornecer bilhões em crédito e subsídios sem transparência. O OM foi o maior orçamento paralelo do Brasil.
O Orçamento se rege por três princípios: legitimidade (aprovação pelo Parlamento), unicidade (um único Orçamento) e universalidade (todas as receitas e despesas integram o Orçamento). Apesar dos avanços, continuamos violando os três. O orçamento secreto criou uma aberração: parlamentares executam o Orçamento, distorção sem paralelo no mundo. Tais emendas irrigam o submundo das negociações políticas.
O Judiciário também tem orçamento secreto. Multas judiciais, que são recursos públicos, estão fora do Orçamento. Juízes as administram, sem controle social. Advogados públicos ganham a sucumbência (valor pago pela parte vencida em processo judicial), que deveria, a rigor, ir para o Orçamento. Trata-se de ganho salarial oculto. E sem pagar imposto de renda.
“Consumidores indefesos pagam, sem saber, pela geração de energia a carvão e óleo diesel”
O setor elétrico maneja um gigantesco orçamento secreto. Parte dele se abriga na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo recolhido de todos os consumidores. Seu valor, fixado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é debitado na conta de luz dos consumidores. O Congresso aprova variadas benesses, mas elas não integram o Orçamento. Consumidores indefesos pagam, sem saber, até para promover a geração de energia a carvão e óleo combustível, bem como por subsídios para fontes renováveis como a solar e a eólica, as quais, apesar de antes necessitarem de incentivos, hoje são as mais baratas de matriz energética.
A CDE, a despeito de iniciativas para reduzir suas despesas, financia a universalização do acesso à energia elétrica, descontos nas tarifas, fornecimento de energia em regiões remotas e por aí afora. Não à toa, o Brasil tem uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo, o que gera ineficiências, reduz a nossa competitividade externa e inibe a expansão do potencial de crescimento do PIB, do emprego e da renda.
Os encargos da CDE equivalem a uma tributação, enquanto os benefícios são despesa pública. Deveriam passar pelo crivo do Parlamento. A CDE é um monstrengo institucional manejado por burocratas e utilizado por governos da hora. Por certo, há subsídios justificáveis, mas não se pode saber disso sem o exame de sua criação. É preciso investigar e desvendar os custos da CDE arcados pelos consumidores. Suas deliberações fiscais — receitas e despesas — seriam transferidas ao Orçamento aprovado pelo Congresso, permitindo debater seus programas. Há que fazer o mesmo com os orçamentos secretos aqui citados.
Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800