Agora réu, Bolsonaro tenta mostrar força política em manifestação em SP
O ex-presidente faz na Avenida Paulista o seu primeiro grande ato público após o STF ter aceitado denúncia contra ele por tentativa de golpe de estado

O ex-presidente Jair Bolsonaro tenta, a partir das 14h deste domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo, mostrar que ainda tem muita força política mesmo após ter sido transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo em que é acusado de tentativa de golpe de estado, que, em caso de condenação, pode levá-lo à prisão.
O ato ocorre após a Primeira Turma do STF, por unanimidade dos seus cinco ministros, ter aceitado a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e mais sete réus por cinco crimes, incluindo tentativa de golpe de estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada. As penas, somadas, podem superar 30 anos de prisão.
Esta será a primeira vez que o ex-presidente fará uma manifestação desse tipo nessa condição — poucos dias antes do julgamento, em 16 de março, ele fez um ato semelhante na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, que reuniu 18,3 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate Público do Meio Digital, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em parceria com a ONG More in Common. A expectativa, no entanto, era reunir 500 mil apoiadores.

Batom como símbolo
Para tentar levar mais gente ao ato da Avenida Paulista, seus apoiadores têm batido forte na necessidade de anistia aos condenados e presos pelo quebra-quebra golpista de 8 de janeiro de 2023, usando como referência principalmente o caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada pelo ministro Alexandre de Moraes a catorze anos de prisão por vários crimes, incluindo golpe de estado. Ela ficou conhecida por ter pichado com batom a frase “perdeu, mané” na estátua em frente ao STF, alusão a uma resposta do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, a uma provocação de bolsonaristas durante viagem a Nova York logo após a eleição de 2022.
Moraes concedeu há poucos dias prisão domiciliar para Débora, mas isso não fez com que o bolsonarismo desistisse de usar a sua imagem para alavancar o protesto. O objeto de maquiagem foi utilizado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e várias outras lideranças bolsonaristas em um vídeo com convocação para o ato, no qual escreviam as palavras “Anistia Já!” em camisetas brancas usando o batom. Além de Michelle participaram da gravação, entre outras mulheres, as deputadas Caroline de Toni (PL-SC) e Bia Kicis (PL-DF), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e a vice-governadora do DF, Celina Leão (PP). A aposta em Michelle vem após a ex-primeira-dama não ter ido ao ato no Rio em razão de ter passado por um procedimento cirúrgico estético.
Governadores
Bolsonaro também acredita na presença de dezenas de parlamentares com grande presença na militância bolsonarista, como Nikolas Ferreira (PL-MG), e de ao menos sete governadores — estão confirmados Tarcísio de Freitas (São Paulo), Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Romeu Zema (Minas Gerais), Ratinho Jr. (Paraná), Jorginho Mello (Santa Catarina), Mauro Mendes (Mato Grosso) e Wilson Lima (Amazonas). Há expectativa também da adesão de Ronaldo Caiado (Goiás), que lançou na última sexta, 4, a sua pré-candidatura presidencial.
Pastores evangélicos
O ato é organizado e financiado pelo pastor Silas Malafaia, da igreja Assembleia de Deus – Vitória em Cristo. Além dele, apareceram em vídeo convocando para o movimento outros líderes evangélicos, como Abner Ferreira (Assembleia de Deus – Madureira), Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra), Jorge Linhares (Bola de Neve), César Augusto (Fonte da Vida), Renê Terra Nova (Ministério Internacional da Restauração), Teo Hayashi (Movimento Dunamis) e Samuel Câmara (Convenção da Assembleia de Deus no Brasil).
Consequências jurídicas
O ato de hoje pode ajudar ou atrapalhar Bolsonaro. Se juntar muita gente e um grande número de lideranças políticas de peso, o ex-presidente vai mostrar que tem cacife político para seguir pleiteando a possibilidade de disputar a eleição presidencial de 2026. Mesmo inelegível até 2030, por decisão da Justiça Eleitoral, ele insiste que irá registrar a candidatura e tentar colocar o seu nome na urna eletrônica. Caso reúna pouca gente na manifestação, no entanto, pode acelerar o processo, já intenso nos bastidores, de busca de algum herdeiro político que possa representar a direita contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano que vem.
Outro problema é que, na condição de réu, a sua postura no palanque pode complicá-lo no processo. Em entrevista ao programa Ponto de Vista, de VEJA, o procurador de Justiça Roberto Livianu, do Ministério Público de São Paulo, disse que o “seu comportamento poderá produzir consequências em relação a sua situação processual” se Bolsonaro, por exemplo, mostrar que é conveniente à instrução processual ou à ordem pública que ele seja preso. “Ele deve tomar extremo cuidado com cada palavra que pronunciar no seu discurso. Tudo o que disser poderá ser utilizado contra si”, disse.
No dia 7 de setembro de 2021, Bolsonaro protagonizou, na mesma Avenida Paulista, um dos mais duros ataques ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha” e anunciou que não mais iria cumprir as suas decisões. “Quero dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais (…) Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha”, disse no trio elétrico.
Na sexta-feira, 4, após encontro com o governador do Paraná, Ratinho Jr., Bolsonaro disse, em entrevista coletiva, que a pauta da Avenida Paulista é por “anistia humanitária” e que ela já está “atrasada”. “Acredito que teremos muita gente lá [na manifestação]. Essa anistia humanitária já está atrasada no meu entender”, disse.