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Por José Benedito da Silva Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Ramiro Brites. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

ARTIGO: Debates políticos e o Big Brother

Muitos candidatos estão deixando em segundo plano propostas de governo para se comportar como participantes de um reality show

Por *Andrey Alburquerque Mendonça
29 ago 2024, 09h57

Nos últimos anos, temos visto que a propaganda política, os debates políticos e as discussões políticas, em todos os níveis, não apenas no Brasil, transformando-se radicalmente. Com o avanço das mídias digitais, mas não por culpa destas, há um esvaziamento do discurso, da propaganda e da discussão política, e estas dimensões são cooptadas por novas formas de comunicação.

A propaganda eleitoral se converte em memes e chacota, as discussões não mais existem, pois não há diálogo entre os diferentes, apenas troca de acusações mútuas, em geral, alimentadas por notícias falsas. E os debates? Eles eram uma oportunidade de conhecer candidatos e candidatas, suas propostas, sua capacidade argumentativa e o enfrentamento diante do outro. Nada mais restou.

Mas, por quê? O que mudou nos últimos trinta anos no cenário político que poderia explicar esse fenômeno dos novos debates, transformados em arenas de gladiadores sedentos por alimentar a multidão que os observa com sangue nos olhos.

Em 1949, o escritor Eric Arthur Blair, mas conhecido pelo pseudônimo George Orwell, lançou uma obra fascinante, chamada “1984”. Nesta obra, há uma personagem fundamental, o Big Brother. O grande irmão de Orwell não é uma pessoa, mas a personificação, em forma de vigilância onipresente, de um Estado totalitário.
O grande terror do século XX que vira, nas diversas formas de autoritarismo fascista, a instalação do caos.

Eis que, em 1999, nasce o Big Brother. Mas, não se preocupem, por enquanto. Pois, ele não nasce como um partido político fundamentalista ou extremista, ou mesmo como uma nova ideologia fascista. Seu criador é o holandês John de Mol, e seu conteúdo é cunhado como reality show. Trata-se de um programa de televisão, no qual, participantes são colocados numa casa, longe da cidade, mas repleta de câmeras e microfones. Neste experimento social que, provavelmente, faria o psicólogo estadunidense B. F. Skinner sentir inveja e orgulho, os participantes exibem sua intimidade num jogo de sedução e violência. Sim, pois devem expulsar um membro do grupo todas as semanas até que reste apenas um, eleito pelo público, como grande vencedor.

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O programa de televisão chega no Brasil em 2002 e continua a fazer seu papel, ano após ano, de entreter, expor marcas e produtos com publicidade e, a cada
ano, inspirando outros realities que se espalham pela programação dos canais. Aqui, tomo a obra do pensador francês Guy Debord, publicada em 1967 como uma “profecia”: a sociedade do espetáculo é metáfora perfeita para representar não apenas o fenômeno mundial dos realities shows, mas o debate político contemporâneo.

Tudo o que sabíamos ou pensávamos saber sobre política não está mais em jogo. As noções de direita, esquerda, bem-estar social, cidadania, isto é, o cerne da democracia moderna estabelecida nos moldes da revolução francesa de 1789 sob o lema: Libertè, Égalitè, et Fraternitè estão há anos luz de distância. O debate político atual se tornou uma arena fechada, como num reality show, onde candidatos se digladiam, desnudam suas vidas, se dilaceram uns aos outros, até que as vísceras sejam expostas ao público. Enquanto isso, expectadores sedentos por sangue, agem como nos espetáculos do Coliseu Romano, aguardando quem irá atacar primeiro, quem exporá mais cruelmente
seu oponente, quem perderá o bom-senso mais rapidamente e partirá para a degola do adversário.

Os assessores ficam vidrados nos bastidores, vendo o número da audiência, e o mais importante, o número de visualizações e engajamento nas mídias
digitais de seus candidatos. E o espetáculo incruento continua, enquanto a realpolitik, isto é, os interesses da cidade, do estado, da nação, são deixados
de lado: pobreza, desemprego, insegurança, desamparo, ignorância, ausência de cidadania, lastreiam o espaço público deteriorado.

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Enquanto o show continuar, dominado por personalidades adestradas pela indústria do entretenimento; os contornos políticos não forem devolvidos ao
povo, os partidos políticos voltarem a ter relevância e objetivos claros para criar propostas de futuro para nosso país, e o debate público sair da esfera privada
para o sentido comunitário, a democracia não terá outro destino, além de uma morte iminente.

*Andrey Alburquerque Mendonça é filósofo, professor do curso de graduação de Ciências do Consumo da ESPM.

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