Bolsonaristas lançam mão de retórica petista para criticar a PF e o STF
Aliados do presidente reclamam de espetacularização no cumprimento dos mandados e citam atos do MTST para justificar manifestações contra o Supremo
Nas eleições presidenciais de 2018, a rejeição ao PT e à figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à época preso e condenado no processo do tríplex do Guarujá, contribuiu para a eleição de Jair Bolsonaro, então candidato pelo PSL. A polarização com o petismo e com partidos da esquerda fazem até hoje parte da retórica bolsonarista que mobiliza a sua base nas redes sociais.
Nos últimos dias, porém, com o avanço das investigações que apuram a disseminação de notícias falsas e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o financiamento de atos antidemocráticos, parlamentares e aliados do presidente da República, principais alvos das investigações, têm recorrido a argumentos semelhantes aos utilizados pelos petistas anos atrás para condenar supostas arbitrariedades da Justiça.
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Clique e AssineNa segunda-feira 15, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, publicou em seu Facebook um trecho de uma entrevista do ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu, na qual o petista fala sobre três das indicações do PT para a Corte – os ex-ministros Cezar Peluso e Carlos Alberto Menezes Direito, e o ministro Luiz Fux – e reclama do comportamento deste último, que, na grande maioria dos casos, se posicionou contra as pretensões dos petistas na Corte.
“Ele [Fux] dizia que matava no peito e que iria nos absolver [no Mensalão]. Esse é um charlatão ou não é?”, questiona Dirceu. “Zé Dirceu fala dos ministros do STF”, diz o post de Eduardo, em uma crítica ao colegiado, que agora tem o ministro da Educação, Abraham Weintraub, como réu por ele ter chamado os ministros de “bandidos”. Guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho fez uma publicação semelhante. Em suas redes sociais, divulgou um vídeo intitulado “José Dirceu entrega Luiz Fux (é um charlatão)”, acompanhado da legenda “Aí, Zé. Você sabe do que está falando”.
Fiel apoiadora de Bolsonaro no Congresso, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) publicou um vídeo em seu perfil no Twitter para mostrar que grupos de esquerda também faziam protestos contra o STF, mas ficavam impunes. Nesta semana, a militante bolsonarista Sara Winter e outras cinco pessoas que participaram de atos contra a Corte tiveram mandados de prisão expedidos contra eles pelo Supremo.
No vídeo postado por Zambelli, manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST) atacam com tinta vermelha o prédio onde morava a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, no dia 6 de abril de 2018, véspera da prisão de Lula. “Até hoje, não há notícia de que algum dos responsáveis tenha sido preso”, diz a publicação, que ainda questiona se “a Justiça tem lado no Brasil”. Este tipo de argumento tem sido utilizado por bolsonaristas para afirmar que há ativismo judicial com o intuito de prejudicar o governo federal e que, assim como os membros do MTST puderam se manifestar sem consequências legais, os apoiadores de Bolsonaro têm liberdade para expressar suas opiniões.
Também nesta semana, outra reclamação do bolsonarismo ecoou a de petistas: a queixa sobre a forma como a Polícia Federal realiza operações de busca e apreensão na residência de investigados. Na terça-feira 16, a PF cumpriu mandados desse tipo no âmbito do inquérito que apura o financiamento e a organização de atos antidemocráticos. Entre os alvos estavam youtubers bolsonaristas, como Fernando Lisboa, do canal Vlog do Lisboa. Em um vídeo, ele relata que teve o seu celular pessoal e itens utilizados para a gravação de vídeos apreendidos e critica, sem dar detalhes, o fato de agentes terem feito a sua mãe, idosa, assinar um documento durante o cumprimento da decisão judicial.
Outros alvos da operação também se queixaram do fato de policiais terem entrado armados em suas casas ainda no início da manhã. A deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), esposa do empresário Luis Felipe Belmonte, vice-presidente do Aliança pelo Brasil, que teve o seu celular apreendido, divulgou uma nota na qual afirma que ela e sua família foram “surpreendidos, ao amanhecer do dia de hoje, com a presença de policiais federais armados em nossa residência, confiscando bens pessoais, sem que nos fosse sequer informada a razão (inclusive porque não há) de tal truculência”. “Como mãe – e isto para mim é o mais grave -, sinto-me agredida perante os bens mais preciosos de minha vida, que são os meus filhos, submetidos a um trauma que creio desnecessário adjetivar”, acrescenta a parlamentar.
Em março de 2016, houve reclamações semelhantes dos petistas quando o então juiz federal Sergio Moro autorizou que a PF cumprisse mandados de busca e apreensão em endereços de Lula e de seus familiares. Na ocasião, os agentes levaram diversos aparelhos eletrônicos, entre eles um tablet de um dos netos do ex-presidente, então com 4 anos de idade. Os equipamentos foram devolvidos mais de um ano depois, em junho de 2017.
Guardadas as devidas proporções, a metamorfose retórica dos bolsonaristas revela um traço peculiar da conduta do núcleo duro de apoio ao governo federal: a ojeriza ao discurso e aos métodos do PT vale quando convém.