Carnaval em SP: blocos cobram água gratuita e reclamam das regras
Ação iniciada pelo movimento 'As Águas Vão Rolar" mistura demandas razoáveis e outras descabidas

Em novembro de 2023, a trágica morte da estudante Ana Clara Benevides — vítima de exaustão térmica durante um show da cantora Taylor Swift, sob o calor escaldante do Rio de Janeiro — repercutiu no mundo e acendeu novos alertas entre as autoridades para os riscos das mudanças climáticas à saúde da população. Desde então, por ordem do Ministério da Justiça, a distribuição gratuita de água é obrigatória para organizadores de grandes eventos no Brasil.
À vésperas do Carnaval em São Paulo, os blocos de rua da capital se articularam no movimento “As Águas Vão Rolar”, que endereçou uma carta às autoridades municipais exigindo a formação de um gabinete contra a crise climática durante o Carnaval. Assinado por mais de 70 blocos e entidades civis, o documento cobra da prefeitura as garantias de que haverá água gratuita para os foliões, um plano de contingência da Defesa Civil em caso de temporais e equipes de prontidão para socorrer e evacuar a população em caso de desastres climáticos.
“Faltam menos de três semanas para o início do Carnaval, e a prefeitura ainda não convidou os blocos para alinhar ações, nem apresentou um plano de emergência”, criticou o geógrafo Rodrigo Jesus, autor da carta enviada ao Executivo. “Todos querem se divertir com segurança, e a nossa demanda é apenas que a cidade cumpra com as suas responsabilidades previstas na lei.”

Água liberada, coleta de lixo e plano de contingência
Na carta, as entidades recomendam a instalação de “ilhas de hidratação” pela cidade, postos onde as pessoas podem se refrescar, coletar garrafas d’água de graça ou encher seus próprios recipientes. O documento cita a portaria do Ministério da Justiça e acrescenta que “é necessário que essa normativa seja cumprida em todos os blocos de rua da cidade de São Paulo”.
Outro pedido é que os comerciantes da festa ofereçam água a preços acessíveis e mais baratos do que as bebidas alcoólicas. A recomendação é que a prefeitura solicite à Ambev, patrocinadora oficial do Carnaval paulista, que oriente os vendedores ambulantes sobre estes valores e colabore para combater os preços abusivos de água, algo que também consta na norma do ministério.
Além das medidas de hidratação, o movimento “As Águas Vão Rolar” cobra apoio das autoridades municipais na coleta de lixo durante a festa — em caso de temporal, a ação pode ser crucial para evitar o entupimento dos bueiros e o alagamento das ruas. A colaboração para remover resíduos está prevista tanto nas orientações da SPTuris, autarquia municipal que supervisiona o Carnaval, quanto na lei estadual de São Paulo sobre grandes eventos.
O manifesto exige, ainda, que a prefeitura paulistana instale um gabinete de crise climática para oferecer resposta rápida a eventos climáticos extremos, como tempestades, que causem “danos severos” às pessoas e à infraestrutura urbana. A ideia, segundo os signatários da carta, é usar a tecnologia de monitoramento climático da prefeitura para informar aos blocos, em tempo real, as regiões com mais possibilidade de chuva fortes ou ondas intensas de calor.
Em 2025, a cidade de São Paulo deve pular um Carnaval de dimensões sem precedentes — foram inscritos 767 blocos e 860 desfiles para tomar as ruas entre fevereiro e março. Apesar dos números recordes, a principal queixa entre os organizadores da folia é de falta de diálogo e transparência do Executivo municipal sobre o planejamento.
“O Carnaval começa em menos de três semanas, e a prefeitura ainda não nos informou onde estarão os postos de atendimento médico, quantos agentes da Defesa Civil estarão em exercício ou qual é o plano em caso de emergência”, disse Juliana Matheus, diretora do Bloco Feminista. “A impressão é que não há interesse em realizar uma festa segura e organizada”.
Os carnavalescos ainda reclamam, sem razão, sobre a rigidez das regras impostas pelo município, que exige detalhes precisos sobre local de concentração e horário dos blocos (algo essencial para garantir a segurança dos foliões e evitar transtornos aos demais paulistanos). No caso das regras, a reclamação dos carnavalescos é a pretexto de falta de alternativas caso um cortejo seja impedido de sair por conta de chuvas extremas. “Não é possível planejar uma festa do tamanho do Carnaval paulista, com expectativa de 16 milhões de pessoas nas ruas, sem a participação e consideração dos blocos no planejamento”, afirmou Juliana.
Prefeitura diz que plano ainda será anunciado
Questionada por VEJA sobre as demandas, a prefeitura de São Paulo afirmou, em nota, que a SPTuris já elaborou um plano de emergência contra as chuvas e que as reuniões com os blocos serão convocadas após a publicação no Diário Oficial do Município. Sobre a distribuição de água gratuita, o Executivo municipal diz que está “em constante diálogo com a Sabesp” para viabilizar as ilhas de hidratação.
A Ambev, por sua vez, respondeu à reportagem que “seja no Carnaval ou em qualquer outro momento de celebração, os valores sugeridos aos ambulantes para a venda de água são menores do que as bebidas alcoólicas”.
Leia, na íntegra, a resposta da prefeitura de São Paulo sobre os questionamentos do movimento “As Águas Vão Rolar”:
“A São Paulo Turismo (SPTuris) elaborou um plano de emergência para situações de chuvas intensas. Após a publicação no Diário Oficial da relação dos blocos e trajetos, serão agendadas reuniões com os organizadores para discutir questões relacionadas ao contingente de foliões em dias chuvosos, bem como outros detalhes que envolvem o planejamento da festa como ações de segurança, alternativas de evacuação e o apoio logístico.
Considerando as altas temperaturas previstas para o período, a SPTuris informa ainda que está em constante diálogo com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para viabilizar a criação de pontos de distribuição de água aos foliões dos blocos de rua.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disponibilizará nas áreas de concentração do público 20 postos de atendimento médico, ambulâncias básicas e de UTI durante os oito dias de evento (dois dias pré-evento, quatro dias de carnaval e dois dias pós-carnaval). Também estarão disponíveis tendas de triagem para atender as necessidades da população, oferecendo avaliação clínica, descanso e hidratação.”