Casos de dengue no Brasil crescem quase 200% em janeiro
Mudanças climáticas, falhas de comunicação e falta de articulação política agravam o quadro da doença e dificultam o combate ao Aedes aegypti

Os casos de dengue no Brasil quase triplicaram entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025. Nas primeiras semanas do ano, foram 197.480 infecções registradas em todo o país, alta equivalente a 187% em relação ao mês anterior. Até o momento, o Ministério da Saúde confirmou 41 mortes pela doença e outros 227 óbitos estão em investigação — em dezembro, foram 45 vítimas fatais e 50 estão sendo investigadas.
Em cada dez casos de dengue, seis estão concentrados no estado de São Paulo, que já registrou mais de 116 mil infecções pela arbovirose em 2025. Já em termos proporcionais, o cenário mais crítico ocorre no Acre: com 3.787 diagnósticos confirmados, o estado nortista atinge a alarmante marca de 430 casos por 100 mil habitantes. Os dados estão do Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde, considerando as semanas epidemiológicas do calendário nacional.
Em 2024, o país bateu recordes históricos de mortes e casos de dengue, com 6.183 vítimas fatais confirmadas e mais de 6,6 milhões de diagnósticos da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. O assunto desaafia o governo de Luiz Inácio Lula da Silva — como mostra reportagem de VEJA, o surto sem precedentes da doença, aliado ao fraco avanço da vacinação, fragiliza a ministra da Saúde, Nísia Trindade, cujo assento ministerial é cobiçado pelo Centrão.
O que está por trás do surto de dengue
A escalada da dengue não é um problema exclusivamente brasileiro. Endêmica em regiões tropicais do planeta, a doença vem se proliferando para áreas de clima historicamente mais ameno, como Argentina, Uruguai e o sul do Brasil, em boa parte devido às mudanças climáticas — chuvas mais frequentes e temperaturas mais altas são fortes catalisadores para a reprodução do mosquito. “É sempre bom lembrar que o aquecimento global é o responsável por essa grande transmissão”, disse Nísia Trindade, em dezembro.
O vírus da dengue possui quatro variantes, ou “sorotipos”, que infectam o corpo humano de forma independente — quem já teve a doença causada por um subtipo está imune a ele, mas não aos outros três. O ressurgimento do tipo 3 do patógeno é uma das causas apontadas para a disparada de casos nos últimos meses. Dados do governo indicam que o subtipo 3, que havia praticamente desaparecido desde o final da década de 2000, voltou a ser detectado em estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Amapá em dezembro.
Para especialistas, porém, as razões para o surto vão além dos fatores naturais, e o combate exige uma série de ações integradas entre governos, médicos e população em geral. “É uma doença da sociedade, não só do indivíduo”, avalia Wanderson Oliveira, professor de epidemiologia e ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde.
Não foi essa a atitude que se observou no campo político. Em 2023, antes do surto atual, o Planalto cortou 58% da verba para campanhas de conscientização e prevenção da dengue, mesmo após um alerta de epidemia emitido pelas autoridades sanitárias. No mesmo ano, os governos do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Paraná usaram entre 11% e 31% dos recursos repassados pela União para combate à doença e ao mosquito — na mesma linha, a prefeitura de São Paulo investiu o menor valor em dez anos no enfrentamento municipal à doença.
‘Mortes por falta de informação e treinamento são inaceitáveis’, diz especialista
A dengue não é, exatamente, um problema recente. Ainda no início do século XX, cientistas brasileiros alertavam para a grave incidência do vírus no país, e a virose entrou para o rol de notificações obrigatórias do governo no final da década de 1950, durante a presidência de Juscelino Kubitschek. Ainda assim, na visão de especialistas, é alarmante o grau de falta de conhecimento, por parte de médicos e pacientes, em relação a uma enfermidade identificada há mais de cem anos e que mudou pouco desde então.
Segundo Wanderson Oliveira, já existem protocolos e manuais para tratamento da doença de forma rápida e segura, é preciso que médicos sejam treinados para identificar a infecção e abordá-la sem a exigência de longas etapas de triagem e confirmação do diagnóstico. “As mortes de pessoas saudáveis por falta de informação e treinamento são inaceitáveis”, avalia. “Hoje, é perfeitamente possível tratar a dengue pelos sintomas sem necessidade de testar cada suspeita.”