Mesmo com uma notícia em mãos considerada positiva — a CoronaVac atingiu a taxa mínima de 50% de eficácia, conforme pregam especialistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS) –, integrantes do governo paulista (mais da parte política do que científica) estavam relutantes até o último minuto antes de iniciar a entrevista coletiva marcada para o início da tarde desta terça-feira em divulgar os detalhes dos testes antes do aval da Anvisa, que deve acontecer na próxima semana.
Ao tornar público que o percentual era de 50,38%, pouco acima do patamar mínimo de 50% estipulado pela OMS, eles temiam o que no fim acabou acontecendo: que bolsonaristas e adeptos do movimento antivacina passassem a contestar a relevância do imunizante do Butantan, que tem uma eficácia bem menor do que a da Pfizer, de 95%, por exemplo. Os radicais só se esqueceram de que foi o governo Jair Bolsonaro quem travou as negociações com o laboratório americano. E a vacina da Oxford-Astrazeneca — que é a principal aposta do Ministério da Saúde — tem uma eficácia média de 70%, mas ainda não está disponível para aplicação no Brasil, como a produzida em São Paulo.
Outro ponto que complicou as divulgações feitas pelo governo de São Paulo foi o contrato assinado entre a Sinovac e o Butantan. Há claúsulas no acordo que barram a publicização de dados sem a autorização da empresa chinesa. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, tentou minimizar os ruídos, dizendo que a relação entre eles é de “sócios” e que faz duas reuniões por dia com representantes da empresa, às 6h e às 22h, por causa do fuso horário da China. O fato é que o governo teve que adiar duas vezes o anúncio de dados a pedido da fabricante, que queria entender a disparidade de informações entre os estudos feitos no Brasil e Indonésia (65,3%). A taxa no Brasil acabou ficando menor porque foi aplicada num número maior de voluntários, sendo todos profissionais da saúde – portanto, mais expostos ao vírus.
Assim, o que era para ser o anúncio de um ótimo resultado — o fato de agora termos em solo nacional uma vacina segura e eficaz para proteger a população da forma mais grave do novo coronavírus — acabou agravando ainda mais a crise de comunicação que envolveu o governo comandado por João Doria (PSDB) na divulgação da CoronaVac.
Na quinta-feira, dia 7, o governador anunciou com alarde que a eficácia da vacina do Butantan era de 78% para casos leves e de 100% para casos graves. Faltou o número sobre a eficácia geral — uma das informações mais importantes para certificar a validade do imunizante. Essa lacuna na divulgação passou a ser questionada pela comunidade científica e levantou dúvidas sobre a transparência dos estudos.
Nesta terça-feira, diante das críticas, o governo de São Paulo decidiu divulgar dados mais completos referentes à vacina e, numa coletiva sem a presença de Doria e a escalação de nove médicos e cientistas, os números, enfim, foram apresentados – e muitas dúvidas foram sanadas.
Os técnicos do Butantan celebraram os resultados positivos, mas amenizaram o exagero de cravar que o imunizante tem 100% de eficácia para prevenir casos graves, conforme foi propalado pelo governo de São Paulo na última semana. O dado indica uma tendência nesse sentido, mas não tem significância científica, porque foi calculado em cima de um recorte de apenas 7 voluntários (todos do grupo placebo) que tiveram complicações com a Covid-19 e precisaram ser hospitalizados. “É um dado ainda pequeno, não tem significância estatística, embora demonstre uma tendência e esperamos que se confirme”, explicou o diretor de pesquisa do Butantã, Ricardo Palácios.
Convidada a participar do anúncio pela sua opinião mais técnica e independente, a bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, parabenizou o Butantan por ter trazido “agora” resultados “bons e honestos da vacina”. “Não é a melhor vacina do mundo, mas é uma boa vacina. É uma vacina perfeitamente aceitável, possível e adequada ao Brasil. Eu quero que meus pais a tomem”. A cientista frisou que a CoronaVac não é um imunizante perfeito, mas é capaz de “nos tirar dessa situação pandêmica”.