Decisão do STF sobre medicamentos fortalece o SUS, diz conselheira do CNJ
Daiane Nogueira de Lira afirma que o entendimento formado pela Corte pode proporcionar mais transparência e segurança aos pacientes
A advogada da União Daiane Nogueira de Lira, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirma que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) relativa ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pode proporcionar mais transparência e segurança para os pacientes, além de maior rigor científico na autorização de uso pelo poder público.
Como VEJA mostrou, o STF formou maioria para estabelecer critérios excepcionais nos quais o Judiciário pode determinar o fornecimento de medicamentos de alto custo fora da lista do SUS. A decisão exige que remédios e terapias tenham sólida comprovação científica para que sejam financiados pelo sistema público.
A tese foi proposta em um voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso e se baseia em três premissas: a escassez de recursos e de eficiência das políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde e o respeito à expertise técnica e à medicina baseada em evidências. Segundo os ministros, os recursos públicos são limitados, e a judicialização excessiva pode comprometer todo o sistema de saúde. A concessão de medicamentos por decisão judicial beneficia indivíduos, mas produz efeitos que prejudicam a maioria da população que depende do SUS. Por isso, segundo a Corte, é necessário estabelecer políticas e parâmetros aplicáveis a todas as pessoas.
Leia a entrevista com a advogada e conselheira do CNJ, que na AGU atuou, entre outras áreas, na Coordenação de Assuntos Judiciais da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde.
Na sua avaliação, quais as consequências da decisão do STF? Dados do CNJ indicam que existem mais de 800 mil processos sobre saúde em tramitação, com 570 mil novas ações apenas em 2023, e uma tendência de aumento para 2024. Portanto, a decisão unânime do STF, no Tema 1234, ao definir critérios para a concessão de medicamentos judicialmente, é um marco importante para a manutenção de um sistema público eficiente, sustentável e com acesso igualitário. É importante destacar a construção de uma solução consensual entre os entes federativos e as entidades envolvidas no tema. Os acordos resultaram na divisão clara de responsabilidades entre União, estados e municípios e os critérios de repartição da competência entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, o que reduzirá conflitos entre os entes federativos e agilizará a tramitação dos processos. Outros avanços relevantes são a criação de uma plataforma nacional para reunir todas as informações administrativas e judiciais sobre as demandas de medicamentos e a criação de campo, pelo CNJ, de cadastramento dos fármacos como critério obrigatório para o ajuizamento das ações. Essas iniciativas permitirão uma melhor gestão e um acompanhamento mais eficiente das ações judiciais, além de proporcionar transparência para o SUS, o Judiciário e os próprios pacientes.
O que muda para o paciente? Essa decisão pode dificultar o acesso a medicamentos? Pelo contrário, eu acredito que a decisão proferida, a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, resultará no fortalecimento e na ampliação das políticas públicas de medicamentos do nosso sistema de saúde. É importante destacar que os representantes dos usuários do sistema público de saúde também participaram da construção consensual do acordo homologado pelo STF. É fato que a judicialização da saúde revela falhas e omissões do sistema que fazem com que o cidadão, frequentemente, recorra ao Judiciário para solucionar problemas que deveriam ser evitados por uma gestão mais eficiente e preventiva da saúde da população. Conforme determina a Constituição, o acesso ao Poder Judiciário está garantido, mas é importante reforçar que a regra deve ser a concessão administrativa de medicamentos, mediante reforço das próprias políticas públicas do SUS, e não a concessão de medicamentos pela via judicial. Assim, a decisão do STF estabelece que o Poder Judiciário, ao analisar esses pedidos, deve considerar, além da prescrição médica, critérios técnicos e científicos, como as avaliações do NATJUS, as evidências em saúde e, quando for o caso, a análise da decisão administrativa de não incorporação. A decisão prestigia, assim, as melhores práticas científicas em saúde, evitando que medicamentos de baixa evidência científica sejam concedidos na via judicial. Também determina que o Judiciário notifique os órgãos de saúde competentes para avaliar a incorporação de novos medicamentos, o que beneficiará a coletividade. Além disso, há um foco importante na segurança do paciente, já que a decisão determina que o acompanhamento clínico deve ser responsabilidade contínua dos serviços de saúde, mediante controle do desfecho, avaliação de sua eficácia, eventos adversos, entre outras consequências.
“A decisão proferida, a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, resultará no fortalecimento e na ampliação das políticas públicas de medicamentos do nosso sistema de saúde”
Qual será o impacto para o SUS? Acredito que será significativo e poderá trazer mudanças estruturais importantes. Primeiramente, a decisão estabelece uma divisão clara de responsabilidades entre União, estados e municípios. Isso trará maior previsibilidade ao financiamento dos tratamentos, uma vez que os entes federativos saberão exatamente o que cabe a cada um custear, inclusive por meio de ressarcimento financeiro via fundo nacional de saúde para os estados e os municípios. Essa clarificação poderá evitar sobrecargas financeiras desiguais entre os entes e agilizar a resposta às demandas dos pacientes. Além disso, a decisão do STF fortalece o papel institucional e técnico da Conitec (Comissão de Avaliação de Tecnologia em Saúde). De um lado, a entidade vai ser mais exigida pela sociedade para adotar critérios objetivos, céleres e transparentes nas suas decisões. De outro, o Judiciário acompanhará a atuação da Conitec, que deverá aperfeiçoar continuamente suas políticas, inclusive com maior participação do ministério público e da defensoria pública na solicitação de incorporação de novos medicamentos. Por fim, a decisão também aponta para a necessidade de aperfeiçoamento do marco regulatório da Anvisa e da fixação de preços dos fármacos no Brasil, o que poderá facilitar a incorporação de medicamentos novos e mais acessíveis para toda a população. Saem fortalecidos a federação, o sistema de justiça, o SUS e os cidadãos.