Amigo de longuíssima data de Jair Bolsonaro, o aposentado da Marinha Waldir Ferraz, o “Jacaré”, descreve-se como o “soldado mais veterano” do ex-presidente, com quem mantém uma relação de mais de 35 anos. Em sua biografia nas redes sociais, espaço onde publica vídeos diários com análises da conjuntura política e em apoio ao ex-capitão, Waldir se define ainda como “assessor” e “idealizador das motociatas”.
Jacaré e Bolsonaro se conheceram na época em que o ex-presidente ainda estreava na política, à frente de um mandato como vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A amizade de décadas começou a partir da insatisfação que ambos compartilhavam com os baixos salários pagos aos oficiais e, de lá para cá, fortaleceu-se, entre altos e baixos.
Em 2022, o aliado confirmou, em entrevista a VEJA, a existência de um esquema de rachadinha nos gabinetes de Carlos e Flávio Bolsonaro, quando os irmãos eram vereador e deputado estadual, respectivamente. Atribuiu a prática, no entanto, à ex-esposa de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, e afirmou duvidar que tanto Bolsonaro quanto os filhos soubessem das irregularidades — apesar da chancela para tais atos. “
“O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. Infelizmente é isso. Ela que fazia, mas quem assinava era ele. Vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar?”, declarou à repórter Laryssa Borges.
Na última semana, Waldir voltou a ser notícia quando, ao passar por um problema de saúde, publicou um vídeo de revolta com a operadora do hospital privado nas redes sociais. “Vão me deixar aqui até morrer?”, disparou na publicação em que mencionou o próprio Bolsonaro, o filho Flávio e outros políticos. O post foi tido por alguns como uma ameaça “velada” ao clã — o que é desmentido com veemência por ele. “Deram a entender que estava falando mal da família Bolsonaro, o que é mentira, uma canalhice”, diz.
Com olhar atento às movimentações políticas e desempenhando papel ativo junto a pré-candidatos que se identificam com o bolsonarismo, Waldir, apesar de aposentado pela Marinha, segue trabalhando. Ele ocupa um cargo comissionado na Secretaria de Estado da Casa Civil do Rio de Janeiro, com um salário bruto de cerca de 10.000 reais. Em paralelo, tem atuado na corrida do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) à Prefeitura do Rio de Janeiro. Em entrevista a VEJA, ele se queixa, no entanto, de pretensos candidatos oportunistas que “fingem” ser apoiadores para conseguir cargos de lambuja. “Tem gente que ontem era do PT e hoje botou a camisa amarela para ser do PL. Essa eleição vai ser pior do que as outras: vai entrar muito mais bandido do que ano passado”, afirma.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
O senhor teve um problema de saúde recente e publicou um vídeo com reclamações à operadora questionando ‘Vão me deixar aqui até morrer?’. Também marcou a família Bolsonaro na publicação, o que foi interpretado por alguns como um ‘recado’. Isso procede? Deram a entender que eu estava falando mal da família Bolsonaro, o que é mentira, foi uma canalhice terem falado isso. Dei uma topada no dedo e fui parar no hospital (…) avaliaram que eu deveria ser internado e fiquei esperando doze horas para cuidar de uma unha. Foi quando fiz aquele vídeo, para esculhambar eles [o plano de saúde]. Agora já resolveram, estou em casa. Tudo que acontece comigo, eu não procuro a família Bolsonaro, resolvo sozinho. Agora eles que me procuraram, o Flávio até publicou nas redes dele.
O senhor também é bastante ativo nas redes e tem participado de encontros com pré-candidatos no Rio de Janeiro. Vai apoiar alguém este ano? O pessoal acha que tenho algum poder e fica me pedindo opinião. Eu dou, não tem problema. Acho que eu devo ter algum valor, né? Pedem pra tirar foto, fazer vídeo. É um favor. Pra mim, quero mais que eles ganhem, desde que seja honesto, que não seja bandido. Mas normalmente é só a capa, né? A maioria tá fazendo isso. Eles ontem eram do PT, hoje botou a camisa amarela para ser do PL. Eu acredito que essa eleição vai ser pior do que as outras. Vai entrar muito mais bandido que ano passado.
Como assim? Olha, tenho contatos do Brasil inteiro. E sempre me mandam: olha a ficha do cara. Quer dizer, o próprio partido não vê esse pessoal. Não vê o currículo do cara, a vida pregressa. E o cara vai e mente. Fui levar o deputado [Alexandre] Ramagem num encontro de evangélicos amigos meus. Cheguei lá, tinha um cara inventando história, dizendo que o padrinho dele era o Bolsonaro. E não era nada disso. E ele já chegou com aquela jogada, pra tirar um leite, disse que era candidato a vereador e que na próxima ele ia ser candidato a deputado estadual, já visando o futuro. É assim que funciona. O problema hoje é que tem muita gente com cara de pau, que faz foto junto com o Bolsonaro e aí você vai ver o caráter dos caras, não tem. Tenho um amigo que é do Pará e todo dia me manda uma lista de gente que se diz do PL mas que é apoiado pelo Jader Barbalho [governador do estado]. Ou seja, o Bolsonaro tem que ter cuidado com esses caras.
Os próprios diretórios locais do PL não conseguem ver isso? Nada. Está tudo vagabundo, tudo, tudo misturado. Aqui em Volta Redonda pegaram o diretório e botaram na mão de um cara alinhadíssimo do PT. Quer dizer, tira de gente decente para botar na mão de vagabundo. É complicado. Acontece em Nova Iguaçu, Japeri, Volta Redonda, Barra Mansa.
Na sua visão, há uma resolução? O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, fala sobre a preocupação com as eleições, mas ao mesmo tempo não dá para ‘ficar de olho’ em cada diretório. Ah, mas acho que também não há interesse, né? Eu faria diferente. Eu pegaria um diretório qualquer desse daí, pegava um cara de confiança, levantava a ficha dele, e diria: você vai ficar responsável pelo partido aqui. Tem que ver a vida do candidato. Assim que tem que ser feito. Mas não fazem, pô. Não filtram ninguém. Na eleição passada de deputado federal, foram 99 eleitos. Quantos que se aproveitam ali? Se se aproveitar 15% é muito. O nível é esse.
A bancada tem votado de forma alinhada na maioria das questões. Não estão unidos? Estão nada, estão unidos por interesse. Uma coisa que acho errada. O Bolsonaro está aqui no Rio de Janeiro e vem cara do Pará, de Recife, do Amazonas, de São Paulo, de um monte de lugar. O que é que vai fazer aqui, pô? Aí os candidatos daqui não têm chance de entrar no palanque, para estar com o presidente.
Como está sendo sua participação na pré-campanha do deputado Alexandre Ramagem? Vou ajudá-lo a ser candidato à Prefeitura do Rio, e alguns vereadores que têm interesse que eu apoie. Lógico que vou ver o passado do cara, se presta. Se votou na esquerda, já está cortado. Não tem arrependimento comigo. Tenho um grande conhecimento do Rio de Janeiro, conheço muita gente. E vou usar essa galera para ajudá-lo. Já vou levá-lo para a Brigada Paraquedista na próxima formatura, que é em junho, para ele chegar próximo dos militares, entendeu? Vai ter um encontro de empresários em Campo Grande, já vou levar ele lá. Porque é aquele negócio, ele foi candidato a deputado federal, mas não tinha conhecimento nenhum, foi basicamente na onda do Bolsonaro. E aí vou tentar ajudar no que puder.
As pesquisas mais recentes o colocam em segundo lugar. Sim, ele está em segundo, mas acho meio complicado pra ele ganhar. Porque o Lula vai fazer campanha pro Eduardo Paes aqui. O Eduardo Paes tá com a máquina na mão. E quem o Lula mandar indicar de vice, vai ser. E sem o apoio do PT, o Paes perde. A verdade é essa.
O senhor mantém contato com o ex-presidente e o restante do clã Bolsonaro? Vou a Brasília sempre, todo mês estou lá e sempre encontro todo mundo. E todo mundo me conhece lá, os deputados que entraram e os antigos sabem quem sou. Vou sempre visitar, orientar, pedir uma ajuda institucional.