O silencioso constrangimento da esquerda na eleição em Salvador
Integrantes de partidos da base fazem ressalvas à indicação do vice-governador Geraldo Júnior como pré-candidato do grupo à prefeitura
As agendas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Bahia, nesta semana, ocorrem em meio a um clima de constrangimento silencioso na esquerda de Salvador. Enquanto o grupo posa unido e sorridente para a foto ao lado do principal cabo eleitoral do país, nos bastidores, integrantes de partidos que compõem a base do governador petista Jerônimo Rodrigues, inclusive do próprio PT, não escondem que engolem a seco a indicação do vice-governador Geraldo Júnior (MDB) como pré-candidato à prefeitura soteropolitana. O principal argumento é que o emedebista não representa a esquerda da capital baiana.
Embora hoje seja um apoiador efusivo de Lula e de Jerônimo, Geraldo Júnior tinha, até 2022, uma trajetória política ligada à direita. Advogado de formação e filho do ex-vereador de Salvador Geraldo Alves Ferreira, que exerceu o cargo por dois mandatos nos anos 1990, Geraldinho, como é conhecido, foi vereador por três mandatos, nos quais era integrante da base do então prefeito ACM Neto (União Brasil). Presidiu a Câmara de Vereadores entre 2019 e 2022, já na gestão de Bruno Reis (União Brasil), afilhado político de Neto. Sua atuação no Legislativo é lembrada por fortes embates com a esquerda, principalmente nas questões ambientais e ligadas ao ordenamento do uso do solo da cidade e na relação com o mercado imobiliário.
Foi como presidente da Câmara Municipal de Salvador que ele posou ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e gravou um vídeo em que manda um abraço para o então presidente Jair Bolsonaro. Nas diversas vezes em que teve que se explicar sobre o vídeo, Geraldo Júnior fala em “redimensionamento” da própria vida política. “Até as pedras mudam”, costuma repetir.
O rompimento com o grupo liderado por Neto se deu somente na pré-campanha para o governo do Estado, em 2022, quando o MDB passou a apoiar o então candidato petista. O acordo firmado com os irmãos Geddel e Lúcio Vieira Lima, que comandam o partido no estado, garantiu a indicação de Geraldo Júnior como candidato a vice-governador. Garantiu também ao emedebista a cabeça de chapa à prefeitura, desbancando nomes do PT, como o deputado Robinson Almeida (PT) e a deputada Olívia Santana (PCdoB), que naquele momento se colocavam para a disputa.
Embora o PT governe a Bahia desde 2007 e Lula registre votações expressivas no Estado, o partido e a esquerda nunca conseguiram eleger um prefeito na capital. A deputada federal Lídice da Matta, hoje no PSB, era do PSDB quando administrou a cidade, entre 1993 e 1996.
Quem acompanhou as discussões relata que a opção por Geraldo foi decidida pelo conselho político formado pela cúpula dos partidos que compõem a aliança, que já elegeu três governadores do PT (Jaques Wagner, Rui Costa e Jerônimo Rodrigues). Os apoiadores da decisão argumentam que o nome do vice-governador tem peso suficiente para bater de frente com o prefeito Bruno Reis, que tem gestão bem avaliada e lidera, com folga, as pesquisas de intenção de votos.
Os contrários à indicação de Geraldo afirmam que ele não é identificado com as pautas ligadas à esquerda e, por isso, não cresce nas pesquisas. Há quem projete, inclusive, que candidatos mais à esquerda, como Kleber Rosa (PSOL), possam ganhar musculatura eleitoral pela capacidade de herdar o eleitor que vê mais semelhanças de Geraldo Júnior com Bruno Reis do que diferenças.
A solução, segundo interlocutores, foi acertar que Geraldo Júnior assumisse o compromisso de, uma vez eleito, cumprir uma agenda social, de redução da concentração de renda e melhoria de vida da camada menos favorecida da população e de uso mais democrático do solo da cidade A candidata a vice de Geraldo foi escolhida para fazer esse contraponto e reforço por pautas sociais. A cientista social Fabya Reis (PT) tem atuação voltada ao atendimento à população vulnerável e era secretária estadual de Assistência e Desenvolvimento Social.
À Veja, Geraldo Júnior afirmou que as mudanças são naturais na democracia, e ressaltou que se sente acolhido e respeitado pelo PT e pelos partidos da esquerda que compõem a base do projeto político para Salvador. “Da mesma forma que o PSOL tem dirigentes e militantes que apoiam a minha pré-candidatura, é natural que ainda haja divergência de alguns militantes do PT em relação ao meu nome”, disse.
Segundo o vice-governador, desde que o PT assumiu o governo da Bahia, em 2007, esta é a primeira vez que a base se uniu já no primeiro turno em torno de uma candidatura à Prefeitura. “Isso é uma demonstração da união do grupo e da confiança em nossa vitória nas eleições de 2024”, afirmou.