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‘Orgulho-me de ter feito política sem caça às bruxas’, diz ex-chanceler

Em recados ao novo governo, o tucano Aloysio Nunes Ferreira defende a tradição da política externa brasileira e rejeita o 'alinhamento automático' do país

Por Denise Chrispim Marin 3 jan 2019, 11h48

O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira bem que fez uma última tentativa de convencer seu sucessor, Ernesto Araújo, a trilhar uma linha de bom senso na condução da política externa brasileira. Mas o novo ministro das Relações Exteriores já estava, naquela transmissão de cargo na noite de quarta-feira, com sua posição fechada. Não poupou as gestões anteriores, inclusive a do senador tucano, às quais acusou de terem seguido uma política externa “atrofiada pelo medo”.

Em discurso de 34 minutos no Itamaraty, em contraponto com o de seu sucessor, Nunes Ferreira despediu-se com mensagens muito claras para o novo governo. O tucano fez um alerta contra a possível “caça às bruxas”, já esperada pelos diplomatas nesta gestão de Araújo. Ressaltou o “alto apreço” do Oriente Médio, em uma indicação de que a mudança da embaixada brasileira em israel para Jerusalém seria um erro. Apelou para a preservação dos valores tradicionais da política externa, diante da promessa do novo chanceler de jogá-los ralo abaixo. E reforçou a rejeição do Brasil ao “alinhamento automático”, que já se rascunha na gestão do presidente Jair Bolsonaro com os Estados Unidos.

“Nesses dois anos e meio, o Itamaraty assumiu a função de reposicionar o Brasil pelo mundo assombrado pelo unilateralismo, pelo protecionismo e pela intolerância”, afirmou. “Por determinação do presidente (Michel) Temer, a nossa política externa recuperou sua vocação universalista. Nós rejeitamos a estreiteza de vistas, o sectarismo partidário, o dogmatismo, que é incompatível com a ação política exercida em ambiente democrático. E nós, aqui, fizemos política, Política externa atenta à realidade efetiva dos fatos (…) em defesa dos interesses permanentes do Brasil”, insistiu Nunes Ferreira.

Ao comentar o compromisso do presidente Jair Bolsonaro, exposto durante sua campanha eleitoral, em defesa da soberania, da construção da paz e do desenvolvimento do país, Nunes Ferreira arrematou: “Pois eu digo que a Política Externa já retomou seu caminho, tendo à frente José Serra e, depois, sob a minha condução.”

Ernesto Araújo, porém, deu a entender em seu discurso acaciano que não será bem essa a linha da política externa na gestão de Bolsonaro. Soberania, por exemplo, será conceito válido para apartar o Brasil de seus compromissos internacionais – como o Acordo de Paris sobre Mudança Climática e o Pacto Mundial sobre Migração – e de organismos multilaterais, entre os quais o Conselho de Direitos Humanos.

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Nunes Ferreira acentuou o respeito conquistado pelo Itamaraty nas negociações de compromissos democráticos na América Latina – o Protocolo de Ushuaia do Mercosul e a Carta Interamericana -, suas credenciais reconhecidas em todo o mundo nas discussões de temas ambientais. Mencionou ainda o respeito à soberania previsto no Pacto Mundial sobre Migrações, assinado pelo próprio ex-chanceler, do qual o Brasil se retirará, segundo declarações de Araújo e de Bolsonaro.

O tucano ponderou que o  Itamaraty “é uma instituição que inspira respeito mundo afora, como paradigma de excelência, de estabilidade, de apreço pela boa convivência entre os povos” e que o Brasil é uma “força a favor do multilateralismo”.

“O Itamaraty e seus quadros tiveram papel crucial na construção do Brasil. Foi uma contribuição que não se resumiu às conquistas notáveis, como a delimitação negociada das fronteiras, a mobilização dos recursos externos para a modernização da economia brasileira e uma participação decisiva na montagem de tratados e organizações que pautaram a vida internacional desde o pós guerra”, afirmou. “Deu contribuição ao que Gilberto Freire chamava de valores maiormente nacionais: a defesa da paz, o apreço pelo direito, a igualdade dos Estados, a resolução pacífica de controvérsias e a valorização do diálogo na afirmação dos nossos objetivos.”

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Tratou ainda de defender os quadros da Casa de Rio Branco. “Não se faz política externa sem profissionais motivados”, alertou, diante da real possibilidade de uma “caça” aos diplomatas que tenham servido aos governos anteriores, como era a função deles, e aos que discordem da orientação ideológica do novo governo. “Orgulho-me de ter feito uma política de pessoal sem caça às bruxas, consciente de que os servidores de carreiras de Estado servem a diferentes governos”, afirmou.

Em um apanhado de sua gestão, o ex-chanceler afirmou ter conseguido a aprovação do Congresso nacional a 124 acordos e tratados e à indicação de 69 embaixadores para postos no exterior. Disse ter valorizado o multilateralismo e retomado as negociações comerciais, especialmente para modernizar e remover entraves dentro do próprio Mercosul. Assinalou os acordos adicionais com a Colômbia, o Chile e a Aliança do Pacífico, a conclusão de 12 dos 15 capítulos das negociações entre o bloco sul-americano e a União Europeia e a solicitação de ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Lembrou da retomada das relações do Brasil com os Estados Unidos e o Japão, Enfatizou a pressão do Brasil, individual e no Grupo de Lima, em favor da redemocratização da Venezuela e da superação de sua crise humanitária. Mas acentuou sua orientação para a preservação dos canais diplomáticos para a discussão, com Caracas, de questões em comum, como o controle de epidemias na fronteira e o abastecimento de energia elétrica.

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Nunes Ferreira foi aplaudido em pé e longamente pela plateia de diplomatas brasileiros e estrangeiros e autoridades presentes. Inegavelmente, mais do que seu sucessor.

 

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