Quadras de tênis em área nobre de SP têm multa ambiental e alvará cassado
Após início da construção do empreendimento, terreno cedido pela prefeitura foi retomado e empreendedor incluído em lista de inadimplentes
Em uma das áreas mais nobres da maior metrópole do país, São Paulo, uma escolinha de tênis ganhou uma oportunidade incrível. A Tennis Lounge, que já tem unidades nos Jardins, nas imediações da Faria Lima e em Moema – todos endereços frequentados pela elite paulistana –, poderia explorar por três anos um terreno de 6.500 metros quadrados da prefeitura, na Avenida Ruth Cardoso, a cerca de 100 metros do Shopping Villa Lobos, em troca de “melhorias urbanas, paisagísticas e ambientais”. O acordo foi firmado em um termo de cooperação protocolado em outubro de 2023. Antes do novo empreendimento ser inaugurado, a obra foi paralisada por irregularidades envolvendo o corte irregular de vegetação e a licença para a construção. As árvores do lote, uma área verde pública, foram trocadas por saibro e ginásio para a prática esportiva. Segundo a prefeitura, o terreno milionário foi retomado pela gestão pública e as quadras estão inutilizadas, apesar de a empresa afirmar que a “área foi cedida regularmente” e manter no site o telefone de contato para alunos e tenistas interessados em bater bola na futura nova unidade.
O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar a derrubada da vegetação. A supressão irregular de uma dúzia de árvores gerou uma multa de 24.000 reais. A prefeitura informou que o débito nunca foi pago, o responsável pela obra nem sequer respondeu às intimações para esclarecimentos e, portanto, foi incluído na lista da Dívida Ativa do Município. A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente vistoriou o local em junho deste ano. No entanto, quem acompanha de perto a construção suspeita de que houve subnotificação no número de árvores cortadas, afinal, ocupavam boa parte da área de milhares de metros quadrados.
No fim de julho, a promotora do Meio Ambiente, Maria Gabriela Ahualli Steinberg, determinou à LG Escola e Eventos Esportivos, empresa que usa a marca Tennis Lounge como nome fantasia, que entrasse em contato com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente para informar quais seriam as medidas adotadas para reparar o dano ambiental causado pela derrubada da vegetação. A manutenção das árvores, inclusive, era um dos critérios incluídos no termo de cooperação que permitiu a exploração do imóvel público pela empresa. Em nota, a empresa afirmou que “apresentará os esclarecimentos necessários ao Ministério Público, no momento oportuno”.
Com valor estimado de 2,6 milhões de reais, a obra está paralisada, conforme a prefeitura. O Executivo municipal diz que o processo de cassação do alvará do empreendimento foi iniciado em junho, mas o termo de cooperação, que sustenta a licença, foi cassado em abril. No fim de maio, a construção ainda estava em andamento. Uma ação movida no dia 27 daquele mês, a escolinha de tênis e uma empresa de concretagem brigam por cerca de 30.000 reais, pois “a autora está em processo de construção de quadras de tênis e da infraestrutura correlata em sua nova unidade, situada na Av. Dra. Ruth Cardoso, nº. 4847, Pinheiros, São Paulo/SP”. Em mensagem enviada ao número de contato disponível no site, a empresa disse que ainda não há data prevista para inauguração das novas quadras, mas que as mensalidades variam entre 490 reais e 710 reais.
Suspeita de fraude de alvará
Uma investigação do escritório Rocha e Baptista Advogados mostra alguns problemas no alvará que permitiu o início das obras de quadras de tênis. A banca cogitou entrar com uma ação popular para pedir a suspensão do empreendimento, mas recuou, em junho deste ano, após receber a informação da Subprefeitura de Pinheiros de que providências seriam tomadas. No documento, que serviria como esboço para a ação, os advogados afirmaram que “a LG Eventos falsificou um termo de compromisso com a Subprefeitura de Pinheiros”. O subprefeito, Leonardo Santos, foi exonerado em 17 de abril e substituído por Alan Nunez Cortez.
Os advogados obtiveram uma cópia do processo do termo de cooperação. Ao examinar o procedimento, foi verificado que o termo de cooperação não tinha lastro e o processo administrativo teria sido aberto apenas para a publicação célere do documento que sustenta o alvará da obra. Além disso, ao menos duas pastas da gestão municipal recomendaram alterações no processo. Um órgão ligado à Secretaria de Urbanismo de São Paulo sugeriu, em julho de 2023, que para o empreendimento ser erguido em área pública, o “instrumento jurídico aplicável é a permissão de uso”, e não um termo de cooperação. Os técnicos solicitaram que a Subprefeitura de Pinheiros iniciasse um novo procedimento para pleitear a permissão de uso do imóvel.
Mais de oito meses depois, em março, a Secretaria de Esportes e Lazer indica o indeferimento da solicitação pois a empresa “não possui o mérito esportivo nos trabalhos desenvolvidos e pretendidos”, já que uma das contrapartidas à cessão do terreno seria a realização de trabalho comunitário. Em mensagem enviada em setembro deste ano, a Tennis Lounge informou que pretende implementar um programa competitivo para crianças no local. O indeferimento da cessão de uso foi sugerido em março, como mostra e-mail, que justifica: “por ser uma área nobre, se não for feito um trabalho social com os participantes bem definidos, a atividade pretendida no local não será de utilidade pública”. A empresa afirmou, em nota que “a área foi regularmente cedida pela prefeitura” e “possui educadores capazes de ofertar iniciação esportiva a qualquer pessoa, especialmente para crianças”,
A VEJA a prefeitura informou que “o termo de cooperação citado foi cassado em abril deste ano por desvirtuamento, já que a empresa não poderia ter realizado obras no local. Atualmente, a área está em posse da Prefeitura de São Paulo”. Além disso, o Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova foi suspenso e o processo de cassação foi aberto em junho e segue os trâmites legais. A Tennis Lounge ainda anuncia na internet a inauguração da nova unidade.
Confira as notas da encaminhadas pela prefeitura na íntegra:
“A Subprefeitura Pinheiros informa que o termo de cooperação citado foi cassado em abril deste ano por desvirtuamento, já que a empresa não poderia ter realizado obras no local. Atualmente, a área está em posse da Prefeitura de São Paulo.
Adicionalmente ao já informado pela Prefeitura de São Paulo à reportagem, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento comunica que o Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova para o empreendimento foi suspenso e seu processo de cassação, iniciado em junho deste ano, segue os trâmites legais. A Subprefeitura Pinheiros ressalta que a obra está paralisada e, uma vez que o Termo de Cooperação foi cancelado, a área foi retomada pela Prefeitura. A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente acrescenta que o local foi vistoriado em junho, o responsável pela intervenção, autuado no valor de R$ 24 mil pelo corte irregular de 12 árvores e, por falta de atendimento à intimação para regularização e esclarecimentos, o contribuinte foi incluído na Dívida Ativa do Município.”
Confira a nota da empresa na íntegra:
“A área foi regularmente cedida pela Prefeitura de SP à LG LOUNGE, tendo sido realizados todos os investimentos previstos para o começo da operação. A LG LOUNGE possui educadores capazes de ofertar iniciação esportiva a qualquer pessoa, especialmente para crianças. Em grande medida, essa expertise, foi colocada a serviço da população de São Paulo, pela oferta de aulas a crianças carentes e formação de professores, cuja dinâmica será retratada no procedimento administrativo.
Em relação ao inquérito, a LG LOUNGE apresentará os esclarecimentos necessários ao Ministério Público, no momento oportuno”