Tren de Aragua forneceu armamento ao PCC, diz jornalista venezuelana
Livro de Ronna Rísquez retrata o crescimento de organização criminosa, que se expande pela América do Sul alavancada pelo êxodo do regime de Nicolás Maduro

A jornalista venezuelana Ronna Rísquez publicou em 2023 o livro O Tren de Aragua: o Grupo que Revolucionou o Crime Organizado na América Latina para contar ao mundo como se formou uma organização desde o presídio de Tocorón, em Aragua, a cerca de 150 quilômetros da capital Caracas, e se expandiu até chegar aos EUA. De acordo com autoridades policiais de Nova York, há criminosos venezuelanos atuando na principal região americana. Neste ano, dez integrantes do grupo foram indiciados por tráfico de armas naquele país, uma das especialidades dos criminosos. No Brasil, há relatos oficiais de que os criminosos venezuelanos fornecem armas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), que se tornou parceiro do bando.

O Tren de Aragua já atua em diversos países. O regime de Nicolás Maduro diz que o bando não atua mais na Venezuela, mas não dá provas disso. Por outro lado, policiais de Roraima, por exemplo, já confirmaram a presença do grupo criminoso em cinco estados brasileiros: Roraima, Amazonas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O modo de agir do grupo é parecido com o de outras organizações criminosas como o PCC e a Cosa Nostra italiana. De maneira silenciosa, o grupo tenta impor suas vontades e, caso não consiga, mostra a forma violenta de agir.
“Eles usam a violência para enviar mensagem para as pessoas que se interessam em controlar. Porque, basicamente, eles se fundamentam no controle territorial e também exercem, de alguma forma, uma espécie de controle social. Então, se você não está de acordo e não formou suas regras, eles atuam com a violência”, registra a jornalista e escritora.
Na última semana, Ronna Rísquez concedeu entrevista a VEJA por telefone. Leia os principais trechos abaixo:
Quando começou o Tren de Aragua? Essa organização criminosa com o nome de Tren de Aragua existe desde 2014.
Como o Tren de Aragua passou de um bando iniciado no cárcere a delinquir em países sul-americanos, como Peru, Colômbia e Brasil? Bom, várias razões. A emergência humanitária complexa que obrigou milhões de venezuelanos a migrar, o que afetou o sistema criminal. Em princípio começaram a se mover nas fronteiras e nas zonas mineiras, o que gerava recursos. Mas se deram conta de que poderiam ter negócios em outros países, o que é habitual dos grupos criminosos que buscam novos mercados. Então, começaram a seguir a rota dos imigrantes. No caso da América do Sul, a figura do ‘coiote’ praticamente não existia. E eles perceberam que poderiam ganhar dinheiro operando como coiotes. Também perceberam que poderiam operar com pequenos casos de tráfico de drogas e exploração sexual e extorsão em países como Equador, Peru, Colômbia e Chile.
As ações criminosas do Tren de Aragua são baseadas em muita violência? Eles usam a violência para enviar mensagem para as pessoas que se interessam em ter sob controle. Porque, basicamente, eles se fundamentam no controle territorial e também exercem, de alguma forma, uma espécie de controle social. Então, se você não está de acordo e não formou suas regras, eles atuam com a violência. Mas, muitas vezes, essa violência é, basicamente, em alguns casos, obviamente, eles matam pessoas. Mas também fazem para que as pessoas saibam do que são capazes, ou seja, como para enviar um mensagem de medo, de ameaça. Ou seja, ‘se você não cumpre com o que eu ordeno, isso pode acontecer’. Mas não é que eles sejam um grupo que vai começar a fazer violência porque querem. Eles até evitam a confrontação com outros grupos criminosos. Por isso, fazem alianças como as que fizeram com o PCC.
O Tren de Aragua vende quais tipos de armas ao PCC? Fuzis, AR-15, Ak-103, que são utilizadas por Forças Armadas.

O principal chefe da facção, Héctor “Niño” Guerrero está foragido. Ele pode estar no Brasil? São três chefes. Um (Jeison Comino) está preso na Colômbia com pedido de extradição para o Chile. Os outros não se sabem onde estão. Podem estar na Venezuela. Mas o que sei é que um deles (Johan Petrica) teve ou tem o controle de um território de zona mineira, o Arco Mineiro de Orinoco, que faz fronteira com o Brasil. O Petrica, inclusive, tem um filho brasileiro. Agora, Niño Guerrero pode estar no Brasil.
A administração de Donald Trump discrimina os venezuelanos por expulsá-los sem saber se são ou não do Tren de Aragua? Eu penso que ocorre uma criminalização dos imigrantes com argumento de que podem ser do Tren de Aragua. Deve se investigar, apresentar provas. Hoje ocorre uma violação ao Estado de Direito e aos direitos humanos.