Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Marcos Emílio Gomes

Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
A coluna trata de desigualdade, com destaque para casos em que as prioridades na defesa dos mais ricos e mais fortes acabam abrigadas na legislação, na prática dos tribunais e nas tradições culturais
Continua após publicidade

Os grandes desafios depois da Covid-19

Se já faltavam empregos e soluções para os excluídos antes da pandemia, o que se espera para o período posterior à turbulência sanitária?

Por Marcos Emílio Gomes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2020, 11h26 - Publicado em 27 abr 2020, 18h27
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Até onde se pode enxergar na neblina de confusões que geralmente encobre seus pensamentos, o presidente Jair Bolsonaro, ocupado com outros afazeres, parece ter desistido de pressionar o Ministério da Saúde a apresentar um protocolo de desligamento da quarentena desconectado do que recomendam o bom senso, os especialistas mais respeitados e a Organização Mundial da Saúde.

    Pode-se aproveitar essa folga da bagunça que vinha consumindo esforços de quem quer pensar sobre o Brasil e o mundo no longo prazo para começar a perguntar como o país e também outros países vão se organizar depois que a tormenta sanitária estiver, senão superada, pelo menos transformada numa intermitente garoa epidêmica – hipótese que os pesquisadores de melhor conceito imaginam mais provável até que se chegue a uma vacina.

    A construção de um novo modelo profilático com acompanhamento em tempo real e alcance global é, por sinal, a tarefa prioritária já anunciada de cientistas da área médica não empenhados na busca da imunização contra a Covid-19, o que nos levará a viver de um modo novo e mascarado, com maior controle sobre viagens internacionais e campanhas de erradicação de riscos extragovernamentais.

    Reordenar a economia global está, também, na lista de afazeres para líderes de todas as nações, a despeito do que possa pensar Donald Trump quanto à autossuficiência americana e à possibilidade trocar a mediação de uma entidade mundial por acordos bilaterais. A começar das viagens internacionais, passando pela indústria de componentes eletrônicos e pela comercialização de alimentos, o grau de globalização é tão alto que o desligamento de qualquer conexão ameaça tanto quanto o coronavírus.

    Trump pode sustentar seu discurso isolacionista até a eleição americana, em novembro. Depois, se vencer, volta poderoso à mesa de negociação e pode usar o peso econômico americano para reformar instituições que estavam distantes da perfeição. É mais prático controlar um organismo global do que estar sujeito a ajustar milhares de pequenos contratos, com parceiros com quartos e quintos interesses em cada transação.

    Continua após a publicidade

    No aspecto social, é preciso lembrar que a crise do coronavírus, acoplada ao choque invertido do petróleo, pulverizou uma quantidade de empregos que nem é possível ainda calcular neste momento. Essa situação criou um cenário que, se não for equacionado, tornará inviável o sucesso de qualquer tentativa de retomada econômica e inútil todo esforço da ciência para criar um modelo efetivo de monitoramento de riscos sanitários.

    Ainda antes da pandemia, a questão do desemprego nos países socialmente mais organizados e das migrações nas regiões de conflito ou de desestruturação política já havia se tornado uma emergência que exigia solução integrada. O que era questão de tempo, bomba relógio a pedir urgência, torna-se, a partir da equação da crise viral, com a multiplicação de falências e da parada na circulação do dinheiro, uma explosão inevitável.

    Quase ninguém está lembrando agora, mas alguns temas fundamentais anteriores à crise eram a mudança nos paradigmas do trabalho, da aposentadoria e da sustentação dos excluídos. A ação planetária do Sars-CoV-2 e a inédita valoração negativa do barril de petróleo só fizeram multiplicar as questões dramáticas que estavam em debate.

    Continua após a publicidade

    Redução das jornadas de trabalho, estímulos à economia do compartilhamento, estatização de centros de atenção a idosos, estabelecimento de programas de renda básica universal, reorganização tributária, cortes nos investimentos militares, eliminação de incentivos fiscais, novas taxas para a atividade bancária, criação de mais impostos sobre lucros e fortunas e até mudanças urbanísticas para reduzir o custo de viver nas cidades eram temas que estavam na pauta não de partidos políticos, mas de governos e de personalidades com prestígio suficiente para ocupar tribunas do Fórum Econômico Mundial.

    Todas essas possibilidades voltarão à discussão imediatamente, turbinadas pelas novas emergências econômicas. E no Brasil, como ficaremos? (O texto do site Ora Essa! que pode ser lido neste link trata das condições de desigualdade no país antes das novas crises.)

    No governo, vê-se o tamanho da surpresa produzida pelo número de pessoas que recorreu ao auxílio emergencial: quase 50 milhões. Especula-se, quanto a isso, sobre a possibilidade de que Bolsonaro veja aí a chance de criar seu próprio bolsa-família e, filtrando os cadastros, estabelecer um programa de longo prazo para manutenção de renda entre os que agora são chamados de ex-invisíveis.

    Continua após a publicidade

    Por mais que isso venha a ser um golpe eleitoral, não se pode desprezar o efeito que teria na vida de quase um quarto da população brasileira. A primeira questão, claro, seria como financiar um programa dessa dimensão sem desestruturar os ajustes econômicos que custaram tantos anos e tantos sacrifícios até ser obtidos. Com inflação qualquer coisa é fácil. E mortal.

    O segundo problema, mais complexo, seria ordenar essa distribuição de recursos como um projeto para levar os carentes de renda a um patamar no qual sejam capazes de sair do programa. Isso combina a necessidade de expansão econômica com criatividade para inserir no mercado um tipo de mão de obra que não pode esperar nem tem condições de alcançar a especialização demandada atualmente.

    Uma coisa é valorizar artesanato ou a atividade de coleta em pequenas comunidades. Outra é lidar com 15 milhões de desempregados, 30 milhões considerados subutilizados, três milhões de desalentados, que desistiram de buscar ocupação formal, e sabe-se lá quantos que nunca foram contados antes das monstruosas filas que se vê agora diante de agências da Caixa Econômica.

    Continua após a publicidade

    Os programas nos quais o governo tem investido estão distantes da abrangência necessária, mesmo como objetivo. O chamado programa Verde Amarelo está em rediscussão e não há nem mesmo um Ministério do Trabalho para centralizar o estudo do problema.

    A lógica do ministro Paulo Guedes, que não é condenável em princípio, reza que o estímulo e a regulação econômica devem fazer os agentes se moverem na direção esperada e isso leva a condições em que se equilibram a demanda e a oferta de mão de obra. Assim, os problemas sociais, atendendo-se como exceção os casos extremos, tendem a se reduzir, no longo prazo. Faz todo sentido. Quando há longo prazo e quando os casos extremos são mesmo exceção.

    Para comentar este texto, use por favor este link.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.