A dimensão política na obra de Ziraldo
Em artigo enviado à coluna, o cientista político Rodrigo Vicente Silva mostra a faceta mais rebelde do escritor e cartunista…
Preparado para tratar dos assuntos da semana, aqueles que mais esquentaram a política, mudei de rota porque não há assunto mais político do que a presença de Ziraldo nos seus 91 anos. Ele nos deixou, mas marcou sua presença por aqui de forma contundente e para além do menino maluquinho, claro.
Se há uma lembrança vívida ao fim da minha infância, era o cartaz de Ziraldo na biblioteca da escola em que estudava. Era um menino maluquinho desenhado em papel kraft, assinado e dedicado à escola. Achava aquele canto mágico. Gostava de ir lá e imaginar que aquela figura havia passado por ali. Havia algo de grande naquele espaço. Imaginava-me “importante”, porque eu estudava em uma escola por onde Ziraldo havia passado.
No fundo, eu tinha algum tipo de razão. O autor nascido em Caratinga, Minas Gerais, era, é e será sempre grande. Sua obra, sempre política, fez muitos questionarem a realidade e, mais do que isso, tornarem-se leitoras. “Mais do que estudar, ler é mais importante”. Ziraldo era sábio.
Jó Descobri-o mais a fundo quando cursei a faculdade de Letras. Naquele momento, tínhamos noção da grandiosidade dele, mas talvez falássemos pouco sobre a dimensão política de Ziraldo. Os tempos, claro, eram outros. Se hoje o debate por uma literatura politicamente engajada e plural é algo presente, em meados dos anos 2000 não se falava muito sobre a partir dessa perspectiva. Mas já em 1969, ao escrever Flicts, o autor questionava tudo e todos ao fazer uma cor ganhar vida e questionar seu lugar, ou a falta dele.
Aquelas palavras jamais me saíram da cabeça: “Não tinha a força do Vermelho, não tinha a imensidão do Amarelo, nem a paz que tem o Azul”. Tocava-me como algo genial. Era uma cor sem lugar, buscando sentido.
Era preciso descobrir e afirmar-se para achar seu lugar. Talvez estivesse na lua o reconhecimento de Flicts. “The moon is Flicts” disse Neil Armstrong em visita ao Brasil. De fato era mesmo. Ziraldo entendia e desejava que houvesse espaço a todas as cores e jeitos.
Nas tirinhas, fez sucesso com vários personagens e saiu em defesa dos debates do momento. Recordo-me de uma que era figura carimbada nos livros didáticos. Ao perguntar ao filho se a música preferida era o rock – assim como era a do pai – o maluquinho foi direto: “não, é rap”, para o susto do pai, claro. “Mas isso não é música de marginal?” ao que ele prontamente: “e o rock não era?”.
Na semana que lembramos os 60 anos do golpe de 1964 é impossível não lembrar de Ziraldo e, claro, do Pasquim, onde ele desafiou o regime com a mais brilhante de suas artes, a charge. Impossível não lembrar daquele homem escorado na parede com uma espada que o atravessava e que dizia: só doi quando eu rio. Era o retrato de um tempo duro, que Ziraldo combateu do seu jeito. Foi preso e perseguido, mas manteve-se, corajosamente, como um defensor da democracia e da liberdade de expressão. Ziraldo é eterno.
* Rodrigo Vicente Silva é Mestre e Doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Graduado em História (PUC-PR) e aluno de Jornalismo (Cásper Líbero). Editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política é vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem)