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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

A oportunidade de ouro do governo Lula, segundo Pedro Bial

A Rodolfo Capler, o jornalista falou sobre fé e religião, respondeu perguntas sobre sua carreira e expôs sua avaliação sobre a nova gestão petista

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 22 fev 2023, 14h41 - Publicado em 22 fev 2023, 11h34

Pedro Bial é um dos grandes ícones da TV brasileira. Responsável por grandes coberturas internacionais como a  Queda do Muro de Berlim (1990), Guerra do Golfo (1991) e o Colapso da União Soviética (1991), desde 2017 é apresentador do programa Conversa com Bial, da TV Globo. Em mais de quatro décadas de atuação, Bial já foi – conforme a revista Rolling Stone (edição 42/2010) – do “céu ao inferno”, ao abandonar uma sólida carreira como correspondente internacional para comandar o reality show, Big Brother Brasil, no início dos anos 2000.

Aos 64 anos, Bial se encontra em seu melhor momento. Casado com a consultora de moda Maria Prata com quem tem duas filhas, Dora e Ana, o apresentador se sente cada vez mais realizado profissionalmente. “Eu acho que fui bem-sucedido e me tornei parte de um fenômeno da TV brasileira”, disse. Em depoimento à coluna, Bial revelou como se relaciona com a religião, relembrou momentos importantes em sua trajetória na TV e expressou sua opinião sobre a ascensão dos evangélicos no Brasil. “O chamado pensamento progressista não entende coisa alguma sobre os evangélicos, assim como o maior partido representante monopolista da ideia de esquerda no Brasil, a saber; o PT, é desastroso na sua relação com o segmento”, afirmou, dizendo que Lula tem uma oportunidade de ouro neste terceiro mandato.  Leia a entrevista completa a seguir:

Rodolfo Capler – Você se autodeclara ateu?

Pedro Bial – Eu diria agnóstico. Ateu eu acho muito arrogante, porque o ateu diz: “Eu sei que Deus não existe”. Diante de tudo o que vivi, li e vi, prefiro dizer que não sei se Deus existe. Por essa razão, duvido. 

Rodolfo Capler – De que forma você se relaciona com conceitos como fé, Deus e religião?

Pedro Bial – A fé ou a crença em Deus, conforme definição dos grandes teólogos, é a entrega ao absurdo. Ou seja, fé é acreditar no mais improvável, naquilo que prescinde de evidências ou provas. Acho bonita essa ideia de entrega ao absurdo pois a própria capitulação à esperança revela uma boa dose de absurdo. No que diz respeito à religiosidade, acho importante dizer que tive uma formação religiosa. A minha mãe era luterana, neta de avô judeu e avó luterana. Por ter sangue judeu, meu avô teve a vida inviabilizada pelos nazistas. Quando o meu pai perdeu meu avô, a mãe dele (minha avó) converteu a família toda ao catolicismo. Isso aconteceu em 1927. Essa conversão ao catolicismo salvou a vida do meu pai, pois, em 1933, quando o cabo austríaco Hitler toma o poder, meu pai foge da Alemanha e só chega ao Brasil em 1940. O fato de ele ser um judeu convertido ao catolicismo o qualificou a conseguir um visto via acordo entre o Vaticano e o Itamaraty, o qual concedia um determinado número de vistos para os chamados “católicos israelitas”, que eram judeus convertidos antes de 1933. Então, a relação dos meus pais com a religião era quase inexistente, pois entre eles, não havia nenhum tipo de prática religiosa. Entretanto, para nos proporcionar uma ótima educação, meu pai me matriculou no Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro, que era um excelente colégio da ordem dos jesuítas. Para ingressar no colégio eu fui batizado um pouco tarde, com 6 anos. Sem dúvida a educação jesuíta contribuiu para que eu perdesse a fé, mas me deu uma base moral indiscutível. Lá no Santo Inácio tínhamos aulas muito enriquecedoras de filosofia. Quando revisito meus cadernos de infância fico impressionado com as coisas que discutíamos; sempre eram abordagens muito sérias do fenômeno religioso. Inegavelmente, tudo isso colaborou para a minha formação e para a minha visão sobre a moralidade. 

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Rodolfo Capler – Desde as últimas temporadas do Conversa com Bial você vem entrevistando inúmeros pastores e artistas evangélicos. Por que esse tipo de ênfase ou priorização de pauta?

Pedro Bial – Porque a TV Globo e o debate público, em geral, têm muita dificuldade em compreender o fenômeno evangélico, que sem dúvida é o fato novo da demografia brasileira mais importante dos últimos anos. O Brasil está deixando de ser um país de maioria católica. Podemos nos manter como o maior país católico do mundo, porém com minoria católica, algo inédito na história do nosso país. Penso que a ascensão dos evangélicos é um fato muito pouco abordado, explorado e discutido na imprensa e na academia. O chamado pensamento progressista não entende coisa alguma sobre os evangélicos, assim como o maior partido representante monopolista da ideia de esquerda no Brasil, a saber; o PT, é desastroso na sua relação com o segmento. Eles tratam os evangélicos como se fossem tudo uma massa só. Por essas e por outras razões, como resposta à minha vontade de contribuir para o bem do Brasil, desde o começo do Conversa, a nossa equipe vem buscando abordar esse universo e compreendê-lo. Em 2019, nos chamou a atenção o livro “E a verdade os libertará”, do Ricardo Alexandre. Fizemos uma edição do programa com ele, abordando a temática dos evangélicos. No final da gravação, fiquei impressionado com ele e solicitei a sua contratação. O Ricardo é um evangélico da Igreja Batista extremamente culto. Com sua participação na equipe, o Conversa ganhou uma sofisticação na abordagem desse tema. 

Rodolfo Capler – Como você enxerga a mistura entre a religião evangélica e política eleitoral?

Pedro Bial – Eu vejo como um fato lastimável. Não acho que seja algo desejável, pois o que une as pessoas numa igreja, são convicções e uma busca que vai muito além da política institucional. Ou seja, é a busca de uma vida pautada em certos princípios morais, com reflexos no modo como as pessoas criam redes de solidariedade. O Juliano Spyer expõe isso em seu livro “Povo de Deus”; a religião evangélica pode ajudar as pessoas a organizarem suas vidas e a progredirem socialmente. Eu acho que uma atitude moral tem reflexos políticos na micropolítica, que, a meu ver, é a política que de fato transforma as coisas. Quando chega na política institucional, muitas vezes, é apenas um reflexo do que se cristalizou no consuetudinário. Já a presença de pastores se reivindicando representantes de suas igrejas no Parlamento eu enxergo com enorme preocupação. O princípio da democracia é “cada cabeça é um voto”. Então não dá para tratar um rebanho religioso como se fosse um rebanho de cabras. A igreja é um rebanho de gente. Portanto, quando um pastor se arroga estar falando em nome de uma igreja ou de seu grupo, isso é péssimo. É uma manipulação da fé das pessoas. Ao mesmo tempo, temos que considerar que isso pode ser interpretado como uma resposta histórica dos protestantes à hegemonia política da Igreja Católica no Brasil. O catolicismo sempre teve grande influência política no país, sem, necessariamente, ter representação parlamentar. A sua influência sempre se deu por outras vias. Considerando que na base do pensamento protestante está a rejeição ao catolicismo, penso que isso se manifesta na história do Brasil contemporâneo.

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Rodolfo Capler – Já se passaram 42 anos desde a sua estreia no jornalismo na TV Globo, em 1981. Nesse período, você construiu uma carreira brilhante, fazendo grandes reportagens e apresentando programas de destaque na emissora. Quais foram as maiores lições que você aprendeu nessas quatro décadas?

Pedro Bial – Será que eu aprendi? (risos). Eu acho que aprender é um verbo que só se conjuga no gerúndio. Entretanto, é evidente que aprendi muita coisa. Eu tive o privilégio de ser testemunha de processos históricos importantes, não só da história da TV brasileira, como da história do mundo. Por isso, acho difícil sintetizar uma grande lição que eu tenha aprendido, sem incorrer no erro de ser solene e pomposo de mais. Contudo, eu diria que uma importante lição que assimilei é a de que somos seres humanos complexos, em constante conflito interno. Assim, precisamos humanizar as relações e, a melhor maneira de fazê-lo, é por meio da democracia. Quanto a lampejos do que aprendi sobre o ser humano, me lembro duma história com meu querido amigo Paulo Francis. O Francis era um trotskista que virou a casca e se tornou monetarista. Certa feita eu perguntei a ele a razão da sua mudança de pensamento. Ele me contou que, certa feita, estando em Bruxelas, viu pessoas bonitas, bem arrumadas e perfumadas caminhando nas ruas. Instantaneamente, teve a percepção de que tudo o que ser humano quer é paz e condições de prosperar. Acredito que essa é uma verdade fulgurante. Tudo o que a gente quer é paz e segurança para poder ter uma família e condições de prosperar. Esse é o grande desafio, sobretudo num país como o Brasil. Por aqui, boa parte da população vive em condições próximas dum estado de guerra, cercada de crimes e de instituições abusivas, com seus desejos de prosperidade tolhidos pela ausência de oportunidades. Enfim, eu resumiria assim, o que aprendi.

Rodolfo Capler – Quais são as suas maiores referências profissionais?

Pedro Bial – Janet Malcolm, a qual é uma escritora americana genial, autora do clássico “O jornalista e o assassino”. O Paulo Francis, embora o considere muito mais uma referência pessoal do que profissional; o Chico Anísio; o Machado de Assis e os poetas modernos brasileiros; Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes. Acho que os poetas e o que a poesia representa como visão de mundo, libertação e expressão, me fez muito a cabeça. Como referência profissional, seguindo a área da fantasia, o Tintim teve muita influência na minha vida. Eu me tornei repórter devido as suas histórias em quadrinhos.

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Rodolfo Capler – Você se sente mais à vontade como repórter ou como apresentador?

Pedro Bial – Me sinto mais à vontade como repórter, embora o repórter também seja um apresentador. Como apresentador eu mantenho um olhar de repórter. Por exemplo, quando eu fazia o Big Brother Brasil eu olhava aquilo como um documentário de pessoas confinadas. Eu gostava de acompanhar os seres humanos que ali estavam e suas relações. Nesse sentido, eu acho que o apresentador sempre vai ter um pouco de repórter. 

Rodolfo Capler – Você sente falta de fazer reportagens de rua?

Pedro Bial – Esse tipo de reportagem eu fiquei impedido de fazer depois que ganhei notoriedade, porém, isso não me faz muita diferença, considerando que a minha melhor fase de repórter foi como correspondente internacional. 

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Rodolfo Capler – Você dividiu opiniões quando aceitou o convite para apresentar o Big Brother Brasil. Como você avalia a sua escolha pelo reality?

Pedro Bial – Eu acho que fui bem-sucedido e me tornei parte de um fenômeno da TV brasileira. Quando fui indicado para a missão de apresentar o reality, ninguém sabia bem como aquilo funcionava. Era um experimento. À época, a minha participação como apresentador do BBB ofendeu muita gente que tinha uma reverência à figura do repórter que eu era. Por isso, tive que me despir desses títulos e virar uma pessoa que estava à frente daquele programa. De qualquer forma, eu diria que me sujeitei às leis do mercado. Para as pessoas pode ter sido chocante me ver apresentando o BBB, mas para mim, chocante foi quando em 1996 – período em que atuava como correspondente internacional de primeiro escalão – me chamaram para conduzir o Fantástico. Apresentar o Fantástico foi muito mais escandaloso do que apresentar o Big Brother Brasil.

Rodolfo Capler – Qual é o maior desafio do jornalismo hoje?

Pedro Bial – Sobreviver, porque o jornalismo como nós conhecíamos acabou. Estamos vivendo uma crise do jornalismo que, talvez, seja inédita. O próprio modelo de transmissão dos jornais foi posto em xeque. Com o advento das redes sociais online, a prerrogativa do jornalista, a qual é duvidar de tudo, tornou-se prerrogativa de todo mundo. Apesar dos grandes jornalistas de sempre e os grandes jornais continuarem atuando, há alguns buracos na relação histórica entre os leitores de informação e aqueles que a produzem. O jornalismo está sendo desafiado em sua essência. 

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Rodolfo Capler – Na sua opinião, as Big Techs dificultam ou facilitam a manipulação das massas?

Pedro Bial – Elas facilitam. As Big Techs se omitiram muito, tomando ou deixando de tomar decisões com consequências muito graves. A lógica do capitalismo desenfreado dessas grandes empresas de tecnologia, de ir atrás do lucro, o qual se dá na base da captação da atenção, do nosso tempo e dos nossos dados, é muito assustador. 

Rodolfo Capler – Qual é a sua avaliação sobre os primeiros movimentos do governo Lula?

Pedro Bial – Penso que é um governo, com uma oportunidade de ouro para influir da melhor maneira na história do Brasil. Acredito que tem muita gente ali bem-intencionada e preparada, porém, percebo que o Lula, como líder populista caricato, continua apostando na polarização. É como se ele não vivesse e não existisse, se não fosse em oposição ao trágico populismo que o antecedeu. Apostar na polarização é muito irresponsável.

* Rodolfo Capler é colaborador desta coluna, autor do livro “O país dos evangélicos” (2022) e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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