
O Brasil é mesmo um país que anda a passos de tartaruga.
Somente o décimo ministro indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal, contada toda a carreira política do presidente, conseguiu tirar os colegas de toga da inércia em um dos temas mais sensíveis em tramitação na corte nas últimas décadas.
Trata-se do entendimento do STF sobre a aplicação da Lei de Anistia aos chamados “crimes permanentes” ocorridos na ditadura militar, caso do ex-deputado Rubens Paiva retratado no livro e no filme “Ainda estou aqui”.
Os crimes permanentes ou continuados são aqueles que envolvem sequestro, assassinatos e ocultação de cadáveres de opositores durante a ditadura (1964-1985). Crimes imprescritíveis e contra a humanidade.
Nesta terça-feira, 11, o tribunal formou maioria sobre o tema. Somente agora, 50 anos após o fim do regime militar, os magistrados estão dizendo que o caso de assassinatos cometidos por agentes do Estado na Guerrilha do Araguaia, maior levante rural contra o regime, terá repercussão geral, ou seja, aquilo que for decidido nesse processo será aplicado em todos com o mesmo tema, padronizando o entendimento da Justiça nas instâncias inferiores.
Pois bem. A Lei de Anistia deveria ter sido derrubada há décadas. O Brasil vive o fenômeno único de ter vivido um regime de exceção sem fazer uma justiça de transição, investigando e punindo crimes do Estado.
Nem a Comissão Nacional da Verdade — instalada pelo governo em 2012 para examinar as violações dos direitos humanos no âmbito político — conseguiu retirar o véu que encobre os crimes da ditadura militar.
Prova disso é que os papéis com as informações sobre os militantes mortos e desaparecidos nunca foram entregues a seus familiares por Exército, Marinha e Aeronáutica.
As três forças atuaram no maior cover up de crimes imprescritíveis e contra a humanidade no país depois da escravidão, protegidos pelo muro de uma Anistia que deveria ter sido derrubado, como disse, há anos. Pois, no Brasil, ela perdoou principalmente os militares. E eles se aferram a isso até o fim para evitar processos.
Muitos dos torturadores e assassinos do regime ou já morreram, caso do major Sebastião Curió Rodrigues de Moura e do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ou vivem em suas casas de praia na região dos lagos do Rio de Janeiro, como Antônio Waneir Pinheiro de Lima.
O país já perdeu a oportunidade de puni-los. Que essa ação, cuja maioria foi formada no plenário virtual, sirva pelo menos para que os familiares das vítimas possam ter informações sobre os corpos de seus entes queridos seviciados e mortos em prédios públicos das Forças Armadas brasileiras.