Abuso de autoridade em São Paulo e a oportunidade para o STJ
Processo que tramita na corte contém provas forjadas, interceptação telefônica ilegal e até flagrante armado
Um dos principais desafios do Judiciário brasileiro é o combate ao abuso de autoridades. Num país com as dimensões do Brasil, os abusos se multiplicam a cada dia. De vez em quando, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem a oportunidade de avançar uma casa no combate aos abusos cometidos nos rincões do país. Um caso emblemático tramita na Sexta Turma da corte, sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Jr.
Trata-se da prisão de um jovem numa cidade do interior de São Paulo. A coluna teve acesso aos autos do caso, mas optou por não mencionar a cidade e nem o nome do jovem para protegê-lo. Carlos (nome fictício) sofreu uma série de abusos por parte da polícia local, que organizou uma emboscada controlada, ou seja, forjado uma situação de flagrante com o objetivo de forçar a prisão do jovem. De usuário de drogas, Carlos foi preso como traficante.
A prática, considerada ilegal, se soma a uma sequência de infrações que teriam sido cometidas por agentes do Estado, como “interceptação telefônica ativa” sem autorização judicial e em momento de flagrante. Em decorrência dessa série de erros, o acusado cumpre pena de sete anos de prisão em regime fechado.
O processo é tratado como um caso paradigmático de abuso de autoridade. Recentemente, a defesa do réu ingressou com pedido de habeas corpus solicitando a nulidade das provas obtidas pelos policiais militares.
O caso
Por meio de denúncia anônima, a polícia militar do Estado de São Paulo teria recebido a informação de que o réu estaria comercializando drogas no centro da cidade onde mora. Em abordagem ao rapaz, os policiais não identificaram qualquer quantidade de entorpecentes. Ele tinha R$ 225 em espécie, no bolso.
Os policiais teriam, então, se apossado do celular do homem e se passado por ele para forjar uma situação de comércio de drogas. Para tanto, os PMs marcaram um encontro com uma terceira pessoa, que faria a entrega das drogas, e conduziram o acusado ao local combinado.
A defesa do rapaz sustenta que a condução forçada ao local do pretenso crime configuraria emboscada controlada. Alegam ainda ser totalmente irregular a manipulação do diálogo pelos agentes de segurança como forma de forjar provas, e sem qualquer autorização judicial. A prática poderia ser enquadrada como uma “interceptação telefônica ativa”.
STJ rechaçou a prática em processos anteriores
A ação dos policiais contraria, na origem, entendimento firmado pelo STJ. Isso porque o próprio relator do caso na Corte, ministro Sebastião Reis Jr., já se manifestou, em casos anteriores, contra a tomada de dados e de mensagens em aplicativos de mensagem pela autoridade policial em situações de flagrante e sem autorização da Justiça.
Não bastassem os abusos na abordagem, há indícios de excesso também na tipificação do pretenso crime, haja vista o flagrante ter sido forjado com 0,45g de crack e 32,67g de cocaína. A quantidade, mesmo que tivesse sido apreendida em uma abordagem legítima, seria enquadrada como consumo próprio.
Mesmo diante de tantas ilegalidades, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não analisou o caso atentamente e condenou Carlos a sete anos de prisão. O STJ e o ministro Sebastião Reis têm, agora, a chance de recolocar a história nos seus devidos lugares. E a corte, como disse, pode avançar uma casa a mais no combate ao abuso de autoridade no país.