O presidente Jair Bolsonaro colocou o Brasil como vítima de uma campanha de organizações “aproveitadoras e impatrióticas”, atribuindo as queimadas da Amazônia ao fogo colocado por “caboclos e indígenas” em áreas já desmatadas. O negacionismo é inútil porque as informações de satélites mostram exatamente onde os incêndios acontecem, quase a totalidade deles em áreas de desmatamento recente. E não, não é provocado por indígenas e caboclos. É chocante que o presidente use esse tipo de explicação ao discursar, nesta terça-feira, 22, na Organização das Nações Unidas (ONU).
“Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam os seus roçados em busca de sua sobrevivência em áreas já desmatadas”, afirmou.
A postura irreal de Bolsonaro em relação ao próprio governo e à política ambiental e indígenista é combustível apenas para os seus radiciais de extrema direita, defensores de ideias como a de que o “globalismo” é a “configuração atual do marxismo”. O país e o mundo têm evidências de que a devastação do meio ambiente cresceu no Brasil. Seja na Amazônia ou no Pantanal, os números de queimadas e do desmatamento têm sido recorde, se comparados com anos anteriores. O problema é que, ao falar para apenas o seu público radical, não convence quem tem, no mundo, desconfianças em relação ao governo. Além disso, o que ele diz é facilmente desmentido pelas imagens de satélite.
Bolsonaro sempre se colocou como escudo para infratores do meio ambiente, sejam desmatadores, madeireiros ou garimpeiros. Também já havia feito críticas aos indígenas, a quem lançou essa leviana acusação de fazerem queimadas, às ONGs, definindo-as como câncer, e às demarcações de terras na Amazônia, chamando-as de desperdício. Já partiu para cima da própria ONU, onde fez o discurso hoje, em relação ao tema do meio ambiente.
O governo tem seguido um caminho de negar as evidências, dizendo que elas são narrativas. Foi o que o general Heleno, chefe do gabinete de Segurança Institucional, e Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, disseram na audiência pública do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Fundo Clima, que está ocorrendo nestes dois primeiros dias da semana.
E quais são as evidências que derrubam o discurso do governo? O desmatamento está aumentando, os focos de incêndios estão ficando mais numerosos, há mais invasão em terras indígenas por grileiros, garimpeiros e caçadores. Na ONU, Bolsonaro afirmou que o Brasil é o país que mais preserva no mundo.
Na tática que pode ser definida como autocrítica zero, o presidente fez essa afirmação de que o seu governo é “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre Amazônia e Pantanal” e, segundo ele, haveria conspiração entre instituições internacionais “com interesses escusos” que se unem a associações brasileiras impatrióticas”. Segundo ele, porque a “Amazônia é riquíssima”. Mesmo com todo o seu histórico antiecológico, assegurou que tem uma política eficaz contra o desmatamento, quando os números têm mostrado cada vez mais o contrário.
No ano passado, Bolsonaro fez um discurso mais agressivo. Uma mudança de tom, um pouco mais ameno, é um avanço, mas não é o suficiente, porque o fundamental seria uma mudança de atitude. Não é de hoje, mas de 2018 para cá, que infratores ambientais se sentiram encorajados por Bolsonaro e sua postura contra a ciência.
Bolsonaro também fez um ataque à Venezuela dizendo que aquele vazamento de óleo foi criminoso contra o Brasil. Mas a Marinha brasileira não identificou o responsável pelo derramamento. O fato de o óleo ser venezuelano não significa que foi um ataque da Venezuela ao país. Ele pode ter vazado de um navio de outro país.
O presidente usou ainda o mesmo erro da negação em relação à pandemia, na qual o Brasil é um dos países com maior número de mortes. Deu também uma versão longe dos fatos sobre a sua atuação na pandemia, e de novo transpôs para o nível internacional as desculpas que dá aqui para a sua atuação que tem sido, evidentemente, falha. Bolsonaro aproveitou para voltar a criticar o isolamento social e seus efeitos na economia. E reclamou do aumento de mais 500%, segundo ele, no preço dos insumos da hidroxicloroquina.
Aproveitou para chamar o auxílio emergencial de maior programa de transferência de renda do Brasil – talvez do mundo – evitando, segundo ele, “o pior” na pandemia, que seria o “caos social”. Mas não é verdade que ele transferiu U$ 1 mil dólares (R$ 5.430) no câmbio de hoje, como disse. É o negacionismo de Bolsonaro em estado bruto, para o mundo contemplar.