O presidente Jair Bolsonaro deu alguns sinais de mudança de postura nos últimos dias. Não estimulou as manifestações dos finais de semana – “deixe o domingo pra eles”-, conduziu uma reunião ministerial que parecia normal e rapidamente se solidarizou com as jornalistas Marina Araújo e Renata Vasconcellos, da Rede Globo. Contudo, no mesmo dia enxotou uma ex-apoiadora com o seu “sai daqui”, e ao fim da reunião ministerial voltou a criticar seus alvos de sempre: os governadores, a política de distanciamento e a “grande mídia”.
Bolsonaro parece estar oscilando entre seus impulsos e a vontade de seguir alguma estratégia de contenção de danos. Não é o primeiro ensaio de moderação. No dia primeiro de abril fez um pronunciamento falando em “pacto” com governadores. Menos de 24 horas depois, contudo, atacou os mesmos governadores e postou uma fake news que mostrava suposto desabastecimento no Ceasa de Belo Horizonte.
No dia 8 de abril, Bolsonaro leu na TV, em cadeia nacional, um texto escrito a várias mãos no Palácio do Planalto, resultado de uma longa reunião com os ministros militares. O presidente disse que precisava governar para todos e não apenas para partes. Garantiu que respeitava a “autonomia dos prefeitos e governadores”, e se solidarizou com as famílias. Parecia recuar da sua posição sobre o coronavírus, mudando o tom inicial que definiu a Covid-19 como “gripezinha”.
Na ocasião, recebeu muitos elogios, mas logo voltou ao seu velho (e surtado) normal. Viu-se que não era genuíno. É que onze dias depois esteve na manifestação contra a democracia em frente ao quartel general do Exército. Nesse ínterim, fez muitos ataques aos governadores, e antes de abril terminar ele diria o triste “e daí?” ao ser perguntado sobre as mortes na pandemia.
O que essa política do morde e assopra quer dizer além da montanha russa constante chamada Bolsonaro? Que é cedo para acreditar que a nova mudança de postura veio para ficar. Os sinais desta semana estão ancorados no clima político dos últimos dias, nos quais o presidente viu as mais fortes reações dos outros poderes da República e de integrantes da sociedade civil aos seus excessos.
Bolsonaro foi finalmente enquadrado pelas forças democráticas? Um observador da política brasileira nos últimos 50 anos tem a impressão que o presidente está pressionado a se acautelar por causa do impacto muito negativo da reunião de 22 de abril, dos riscos do inquérito das fake news e da péssima imagem internacional do Brasil, cada vez mais visto como um país pária. “Mas ele age controladamente muito contrariado. Vê-se pela linguagem corporal. Na última reunião da pandemia era claro. O verdadeiro Bolsonaro apareceu no ‘sai daqui’ para a eleitora arrependida”, explica.
Em entrevista ao Estado de S.Paulo, nesta quinta, 11, a advogada Karina Kufa, que atua na defesa de Bolsonaro, diz que o presidente “tem falado que não tem a intenção de tensionar as relações com os outros poderes”. Ela também afirma que Bolsonaro decidiu não entrar com um pedido de suspeição contra o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em mensagem privada a ministros da corte, comparou o momento atual ao da crise que levou ao nazismo.
É esperar para ver se ele desmontará a usina diária de crises em que se transformou o seu governo. Nos últimos dias foram muitos os que criticaram publicamente a gestão. Membros do parlamento, liderados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, têm sido mais incisivos em suas reações. Eles foram acompanhados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
As reações contra o governo tendem a aumentar com o agravamento das crises sanitária e econômica. Bolsonaro pode estar finalmente ouvindo os conselhos para adotar nova conduta diária. Até a recriação do Ministério da Comunicação pode fazer parte das mudanças estratégicas. A dúvida é se conseguirá finalmente conter seus impulsos e seu problemático temperamento.