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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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É sempre mais fácil culpar as mulheres

A cientista política Débora Thomé explica por que feminismo está muito longe de ser um movimento identitário

Por Débora Thomé
Atualizado em 14 nov 2024, 12h46 - Publicado em 13 nov 2024, 21h12
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  • Na minha vida e na minha atuação feminista, esta história começou em 2018.

    Sob a ameaça de o Brasil eleger um presidente declaradamente misógino, cujo ideário se construía em torno de um discurso de hipermasculinidade (para citar algumas temáticas: ode ao porte de armas, defesa do papel tradicional das mulheres na relação conjugal, descaso com o assassinato de Marielle Franco), muitas mulheres fomos às ruas, acompanhadas ou não de homens, mas puxando o movimento que teve seu ápice na passeata do “Ele Não”. No dia 30 de setembro de 2018, em todo o Brasil, milhares; milhões ocupamos as praças e avenidas.

    O que aconteceu pouco depois, é fácil de lembrar: Jair Bolsonaro derrotou Fernando Haddad nas urnas e passamos quatro anos aturando não apenas ele e os seus, bem como uma ministra das mulheres contrária a políticaspara mulheres. Mas não somente isso. Nos quatro anos seguintes, tivemos de lidar com a mesma suspeição, com jeito de acusação, por parte dos nossos em perguntas que nos chegavam em qualquer palestra ou entrevista de que participávamos: “Você não acha que o Ele Não foi crucialpara a eleição de Bolsonaro?”

    Bolsonaro, assim, seria o retrato do backlash, a reação a uma dinâmica em que um grupo pedia por seus direitos.

    Li e ouvi isso vindo de jornalistas, cientistas políticos, amigos e sei lá mais de quem. Diante da incredulidade sobre como o Brasil permitiu que um candidato afeito à ditadura fosse eleito, muitos optaram pela saída simples: a culpa é dos “identitários”; mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+. Desde aquela época, o argumento era o mesmo: a “política identitária” causou a nossa derrota porser desagregadora, diferentemente das grandes demandas de classe.

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    Na recente eleição de Trump para um novo mandato, eis que voltamos a ouvir mais um monte de vezes a culpa é do identitarismo. Não me arrisco a entrar no debate sobre eleições nos Estados Unidos, uma vez que pouco conheço sobre o assunto, entretanto, uma vez que o argumento ganha novamente espaço no Brasil, retorno também a ele.

    No caso brasileiro, existem duas maiorias contundentes: mulheres (de acordo com o último censo, 51,5% da população) e pessoas negras (56%). Se ambos os grupos majoritários se tornam minorias nos espaços de poder (na Câmara Federal, respectivamente, 18% e 26%), recebemsistematicamente salários menores e, no caso das pessoas negras, sofrem em escala muito maior com a violência policial, é mais que esperado que esses grupos se organizem politicamente, justamente para pedir por taisdireitos que lhes estão sendo negados.

    Focando especificamente no caso das mulheres e do feminismo, em toda a história, a sua agregação se deu muito mais por esse caminho (a ausência de poder que as mulheres têm na sociedade por serem classificadas como mulheres) do que por conta de questões de identidades, ou seja, de características suas consideradas inatas. Não nos reunimos porque temos órgãos sexuais e reprodutivos os quais se categorizam como femininos, mas, sim, porque, ao apresentarmos essas características, somos vítimas de uma série de violências, assim como nos são limitadosinúmeros direitos.

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    Querer utilizar o discurso de que se trata de uma disputa política de segundo escalão por “identitária” demonstra ignorância sobre a natureza desses movimentos, bem como de sua atuação, a qual se localiza, de forma inegável, no espaço da disputa política.

    Grupos em situação de vulnerabilidade – e aqui não pretendo elencar maiores ou menores – têm todo o direito de se organizar, inclusive apoiando uns aos outros (ou se interseccionando, ou seja, trabalhando conjuntamente diferentes vulnerabilidades).

    Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, jogar a culpa pela derrota da esquerda nas mulheres, no feminismo ou no movimento negro é negar o direito de reivindicação de maiorias vulnerabilizadas, bem como simplificar o que constrói as preferências do eleitorado. Mais que isso: é argumentar que a única perspectiva válida e não identitária é a luta que se constrói em torno das preferências dos homens brancos, aqueles que, à direita e à esquerda, ainda controlam o poder político em ambos os países.

    * Débora Thomé é cientista política, pesquisadora da FGV/Cepesp. Autora de “Mulheres e Poder” (FGV Editora)

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