O Supremo Tribunal Federal vem sendo instado pela Advocacia Geral da União (AGU) a avaliar se decisões que já transitaram em julgado, condenando o Governo ao pagamento de indenizações, devem ser revistas por novas perícias. O caso que tem chamado a atenção por envolver um dos debates mais caros ao STF – o respeito à segurança jurídica – será debatido na semana que vem.
Em pauta, a dívida de R$ 63 bilhões da União com o setor sucroalcooleiro, tema que a AGU elegeu como prioridade nesse final de semestre. Os procuradores esperam convencer os ministros de que todas as indenizações, inclusive os precatórios já formalizados, devem ser revertidos ou protelados.
O problema da estratégia da AGU não é apenas virar as costas para o princípio da segurança jurídica e previsibilidade dos contratos. Ao alimentar o argumento de que novas perícias precisam ser elaboradas, mesmo em relação aos valores já estabelecidos judicialmente, a União desconsidera o efeito bola de neve, típico da protelação de dívidas já reconhecidas.
Um estudo concluído pelo economista José Roberto Afonso, doutor em Desenvolvimento Econômico, ao qual a coluna teve acesso, revela que a estratégia da União de rever indenizações, inclusive as ações já pagas, pode resultar em aumento das despesas com acúmulo de encargos financeiros. O economista avaliou 8 casos concretos em que as liquidações aumentaram, em média, 337%. Majoração verificada independentemente da metodologia usada. Um tiro no pé. “Há evidências de que a perspectiva de elevação, quando os valores das indenizações são submetidos à nova perícia. Há casos, inclusive, de aumentos superiores a 800%”, advertiu o economista no documento encaminhado ao próprio Governo e também aos ministros do STF na última semana.
A discussão remonta à década de 1980, quando o governo adotou um rígido regime de controle sobre os preços do álcool e do açúcar. Com uma inflação de até 3 dígitos por mês, o Ministério da Fazenda reconheceu a defasagem e atribuiu à Fundação Getúlio Vargas a apuração dos preços para o setor. Mas o acordo, assinado no final do governo Sarney, foi desconsiderado logo no início do governo de Fernando Collor. Várias usinas foram ao Judiciário exigir os prejuízos com o descumprimento do pacto.
O economista José Roberto Afonso aponta o caminho da negociação para dirimir o prolongado embate. “A União tem em mãos a oportunidade de aproveitar a janela particular de exceções em regras fiscais para pagamento de precatórios. Pode ser antieconômico para o próprio Estado reabrir os casos transitados em julgado com perícia. O direito à indenização já está reconhecido”, avalia.
Para o tributarista Fernando Scaff, professor de Direito Financeiro da USP, o debate tem o potencial de impactar diferentes setores no mercado. Ele chama a atenção para o fato de que há processos julgados que foram pagos por meio de precatórios negociados entre empresas. “Há os que serviram de lastro em operações financeiras, os cedidos a instituições financeiras e fundos de investimentos, utilizados para o cumprimento de planos de recuperação judicial e negociados com o Poder Público para quitar passivos tributários. Uma decisão que contraria esses fatos consumados está na contramão da segurança jurídica”, avalia. Ele assina um parecer encaminhado nesta quinta, 6, a ministros do Supremo.
É uma guerra de bilhões, que não esconde os efeitos de uma estratégia que o governo perpetua, sem medir consequências para as contas públicas – apostar no prolongamento recorrente dos processos e de suas dívidas, mesmo quando a Justiça já bateu o martelo.