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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Fachin perdeu coberto de razão: a liberdade do voto corre riscos

O ministro queria estabelecer limites aos abusos religiosos nas eleições, mas a maioria dos colegas do TSE resolveu não coibir pastores evangélicos

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 mar 2021, 00h41 - Publicado em 19 ago 2020, 12h14
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  • O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem, entre suas atribuições, o importante papel de guardião da democracia. É também a última instância no processo eleitoral, do qual é o gestor. Abdicou, contudo, da defesa desses valores ao vetar, nesta terça, 18, a criação da punição para o abuso de poder religioso nas eleições. Neste movimento contra a sua função, fragilizou o país e não exerceu a liderança nos pleitos que acontecerão no futuro, inclusive neste triste ano de 2020.

    A proposta, levantada pelo ministro Edson Fachin, defendia a cassação de mandatos políticos por abusos de poder religioso. A ideia era a criação de uma punição eleitoral específica para candidatos que se aproveitam da religião, dos templos e, o mais grave, da fé para ganhar o voto de fiéis – fenômeno cada vez mais presente no Brasil. As denominações hoje têm uma característica de “esquema piramidal” – uma cabeça dita a regra sobre inúmeros pastores e igrejas que estão abaixo e devem seguir à risca a orientação, sob pena de expulsão.

    Fachin havia ponderado acertadamente que há a necessidade de “imposição de limites às atividades eclesiásticas”. Defendeu que essas sanções “representam medidas necessárias à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral”. O magistrado ainda apontou a ascendência abusiva “incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, inclusive nas eleições. Mesmo mostrando, em seu voto, abusos de pastores, o magistrado foi derrotado por seis votos.

    Os colegas de toga de Fachin seguiram uma divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes. O magistrado afirmou, mesmo sob égide da laicidade, que “não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros, sem participação política e sem legítimos interesses políticos”. É lamentável ouvir isso de um juiz que atua nas duas mais importantes cortes brasileiras.

    O ministro certamente não tem frequentado templos nos últimos anos, e não deve ter sido informado sobre o que ocorreu nas igrejas nas últimas eleições presidenciais, quando o presidente Jair Bolsonaro fez proselitismo religioso em comunidades protestantes, mesmo sendo católico não praticante. Pastores evangélicos têm exercido abuso de poder religioso, especialmente nas comunidades pentecostais e neopentecostais, de forma explícita e deliberada. Era (e ainda é) necessário colocar um freio neste mal, nascido em lugares que deveriam se concentrar em fazer o bem. No Brasil, púlpitos têm sido transformados em palanques, pastores em correligionários políticos e a bíblia, em panfleto partidário.

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    O que acontece nos templos pentecostais e neopentecostais é parte da polarização e da disputa ideológica que levou o país ao retrocesso. Sob o pretexto de travar uma guerra cultural contra a “influência marxista” – vitoriosa, até aqui, na visão deles -, líderes evangélicos têm abusado de sua função social para patrocinar uma agenda ultranacionalista, retrógrada e, em alguns aspectos, até fascista.

    Pregam um amor incondicional nos microfones, mas, em sua maioria, impõem um pensamento bolsonarista autoritário aos seus seguidores, usando o nome de Deus em vão. Assim, quebram um dos mandamentos bíblicos mais fundamentais. Para se ter uma ideia, um versículo que é muito utilizado para defender o voto nas eleições está no livro de Eclesiastes: O coração do sábio o inclina para a direita, mas o coração do tolo o inclina para a esquerda”. O versículo é repetido exaustivamente nas eleições em igrejas, como se Deus tivesse ensinado, por meio de sua palavra, a seguir uma linha ideológica.

    Em seu voto, Fachin avisou “que as igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para amainar a liberdade para o exercício de sufrágio e debilitar o equilíbrio entre as chances das forças em disputa”. Nem isso sensibilizou os outros magistrados, que se agarraram em pormenores jurídicos para defender o indefensável. Às vezes, as distorções que ocorrem no uso das igrejas em eleições se reproduzem na própria administração, como se viu no Rio de Janeiro no episódio “fale com a Márcia”, em que o prefeito carioca Marcelo Crivella foi gravado distribuindo atendimento cirúrgico preferencialmente para evangélicos.

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    A direita acusou a esquerda do uso político de programas sociais para se perpetuar no poder. Isso de fato ocorreu nas propagandas com a ameaça de que o Bolsa Família seria extinto se outro candidato fosse eleito. Mesmo assim, a esquerda perdeu as eleições. O país precisa proteger o voto do eleitor desse tipo de apropriação de políticas públicas. Ao mesmo tempo, e mais grave, há o uso do sagrado e do divino como forma de induzir o voto. Isso precisa ser impedido, sob pena de o país acabar revogando o princípio inarredável da laicidade. As denominações pentecostais e neopentecostais viraram o “Bolsa Família” do bolsonarismo, que sinaliza a todo momento com isenção de impostos e benefícios aos templos para líderes sedentos pela “prosperidade”.

    No julgamento desta terça, 18, o ministro Og Fernandes destacou que a legislação já “protege as eleições” de abusos de líderes religiosos, proibindo a propaganda eleitoral nos templos e a doação em dinheiro de qualquer entidade religiosa. Bem, senhor ministro, a legislação tem falhado fragorosamente. É justamente por isso que Fachin queria um balizamento real para evitar a manipulação mais baixa que existe desde que o mundo é mundo: o uso abusivo da fé.

    Ao fim, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, afirmou que não descarta a criação do abuso de poder religioso, mas apontou que a discussão não deveria ser feita naquele processo. É uma ponta de esperança difícil de se agarrar. Até lá, vamos convivendo com as igrejas se transformando em verdadeiros currais eleitorais. Em 2020, 2022, 2024, 2026…

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