O governo federal revogou, nesta quinta-feira, 4, um despacho do Ministério do Meio Ambiente que abriu brecha para o descumprimento das regras da Lei da Mata Atlântica, resultado de uma luta de 20 anos no Congresso. O ato, que consta do Diário Oficial de hoje, é um recuo do ministro Ricardo Salles depois da pressão de ambientalistas, procuradores da República e da própria imprensa.
Como informou a coluna, o despacho era o mais claro exemplo da estratégia revelada pelo próprio Salles na reunião ministerial do dia 22 de abril, e que foi tornada pública um mês depois por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). No encontro, o político afirmou que o governo deveria aproveitar a imprensa com a atenção voltada à Covid para mudar “regramentos” com canetadas.
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Clique e AssineTendo como base apenas um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), o despacho do ministro recomendou que órgãos ambientais como o Ibama e ICMBio desconsiderassem a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), no que tange a atuação pela fiscalização do bioma, e aplicassem as normas do Código Florestal, que é bem mais brando. Isso, sem discutir a alteração por meio do Congresso Nacional.
A “canetada” aconteceu dias antes da reunião. No desastroso encontro, Salles disse: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente. É hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação”.
Na prática, a mudança no regramento tornou a Lei da Mata Atlântica sem efeito e permitiu o perdão de dívidas e multas dos produtores rurais que desrespeitaram a legislação construindo e ocupando área de preservação ambiental. A “canetada” iria anular, só no Ibama, em torno de 1.400 multas de proprietários que se instalaram em áreas de preservação permanente.
A Mata Atlântica é um bioma mais frágil, mas fundamental para garantir o abastecimento de água na área geográfica onde moram mais brasileiros. A Constituição declara a Mata Atlântica como patrimônio nacional. O despacho, de número 4.410, acabou contestado na Justiça após uma ação proposta pelo Ministério Público com a Associação dos Procuradores de Meio Ambiente e com a SOS Mata Atlântica.
O grupo entrou com a ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e depois fez o mesmo nas justiças estaduais. O esforço também contou com a notificação ao Ministério Público Federal para que as superintendências do Ibama e para que as Secretarias de Estado do Meio Ambiente, nos 17 estados brasileiros onde a floresta se espalha, não cumprissem a determinação.
Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nesta quinta-feira, 4, Salles anunciou que a AGU vai ao STF, por meio de uma Ação Direta de Constitucionalidade, arguir se o Código Florestal, que é mais flexível, pode ser aplicado à Mata Atlântica.
Foi com parecer da AGU que ele assinou o despacho alterando o regramento. A AGU é favorável, mas como Salles disse na reunião, a estratégia era só uma: parecer e canetada. “Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana. […] Isso aí vale muito a pena. A gente tem um espaço enorme pra fazer”.