Justiça valida licença-prévia para BR-319, entre Porto Velho e Manaus
Estado precário da rodovia dificultou chegada de oxigênio a Manaus durante a pandemia de Covid-19, diz desembargador
O desembargador Flávio Jardim, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), suspendeu uma decisão liminar e validou a licença-prévia para a realização de obras de pavimentação e restauração do trecho da BR-319 que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM)
A licença foi concedida pelo governo em julho de 2022, mas acabou suspensa dois anos depois por decisão da Justiça Federal, que atendeu a um pedido de uma entidade de defesa do meio ambiente. O grupo alegava que os estudos para realização das obras eram insuficientes e que o empreendimento poderia causar degradação ambiental na região.
A União, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recorreram da decisão. Os órgãos do governo afirmam que, desde a concessão da licença, diversos outros estudos foram feitos para garantir a viabilidade das obras de forma a preservar o meio ambiente e os povos indígenas que vivem na região.
O DNIT alegou que o projeto básico do empreendimento está avançado, e que a suspensão da licença levaria à inutilização de diversos processos já concluídos e a mais gastos públicos. Já o Ibama afirmou que “a manutenção da rodovia em seu estado atual, isto é, sem pavimentação asfáltica, também causa severos danos ao meio ambiente – como processos erosivos, assoreamento de corpos hídricos por lixiviação do material solto e soterramento da vegetação lindeira, constituindo barreiras para deslocamento de fauna”.
Ao analisar o caso, o desembargador Flávio Jardim argumentou que o trecho da BR-319 que liga as duas capitais “trata-se de uma verdadeira estrada de barro, que permanece em atividade e que demanda urgente revitalização, sob pena de manutenção do isolamento das populações que vivem nas regiões interligadas pela rodovia e dos gastos com medidas paliativas de não agravamento”.
O magistrado afirmou que as tratativas do DNIT e do Ibama sobre a revitalização da rodovia já duram mais de 15 anos, e que a licença-prévia ainda não permite a execução da obra, apenas indica a implementação de condições para o início do empreendimento. Por isso, considerou que a liminar que suspendeu a licença extrapolou esse entendimento.
“No ponto, há de se ter em vista que a viabilidade ambiental foi verificada a partir do EIA/RIMA elaborado durante anos pelo DNIT. Conforme se depreende do histórico acima, foram várias as vezes em que o DNIT enviou os estudos ao IBAMA que, por sua vez, cobrou complementações e esclarecimentos, inclusive com o retorno ao ponto de partida e a apresentação de novo termo de referência.”
Dificuldade de acesso
A dificuldade de acesso à região e a falta de conexão com outras partes do país também foram pontos citados pelo desembargador. A viagem de passageiros entre Boa Vista e Manaus hoje leva 66 horas, por via aquática. Segundo o DNIT, com o trecho da BR-319 pavimentado, a previsão é que esse trajeto possa ser feito entre 10 e 12 horas.
Nesse sentido, o magistrado Flávio Jardim lembrou da crise de oxigênio vivida por Manaus durante a pandemia de Covid-19, devido à falta de conexão terrestre com outros estados brasileiros. Estudos trazidos no processo mostram que a BR-319 teria sido o acesso mais rápido para a chegada do oxigênio à cidade.
O desembargador cita que mais de 60 pessoas morreram por conta da situação, e que ela “acaba tendo enorme relevância na decisão estratégica de se retomar ou não a pavimentação da BR-319. Isso em razão de o episódio expor as dificuldades que uma cidade ‘ilhada’ pode enfrentar em momentos de emergência”.
“A leitura dessas informações demonstra que o isolamento da cidade foi um fator de enorme dificuldade de transporte de oxigênio, no estrondoso volume que estava sendo consumido naqueles dias”, diz.
A decisão também cita os momentos de estiagem, que dificultam o trajeto por via aquática. “Não cabe ao Poder Judiciário, assim, questionar a decisão estatal de decidir pavimentar a BR-319, visto que os riscos de isolamento do Estado, ao menos em momentos de estiagem como o presente, são concretos e fundados’”, afirma.
Indígenas e extração de madeira
A decisão aponta ainda que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) fez consultas para analisar o impacto da obra sobre as comunidades indígenas da região, e que o processo foi concluído de forma adequada. “Logo, não há qualquer indício de que a consulta realizada não tenha sido satisfatória e que não tenha tentado alcançar o consentimento das comunidades, como os documentos internacionais exigem”, afirma o desembargador.
O magistrado também cita um risco apontado de que a pavimentação da rodovia pode aumentar o ciclo de extração ilegal de madeira, que já existe em comunidades próximas. Ele defendeu que o governo crie formas de acabar com esse ciclo econômico e remunerar as populações pelo desenvolvimento de ações de preservação ao meio ambiente.
“Daí competir ao Governo Federal, no sentir deste Relator, implementar uma forma de Pagamento por Serviços Ambientais – PSA, que deverá abranger a distribuição direta e condicional de renda às pessoas que residam nas margens da rodovia e que contribuam para manter o ecossistema atual o mais intacto possível. A condição a ser cumprida é a preservação do meio ambiente.”