Malafaia escancarou o racha da direita e Bolsonaro que se cuide
Em artigo enviado à coluna, o cientista político Rodrigo Vicente Silva analisa os desdobramentos da fala do pastor Silas Malafaia sobre o ex-presidente
“Covarde, omisso, que se baseia em redes sociais e não quer se comprometer. Fica em cima do muro. Para ficar bem, sabe com quem? Com seguidores [de redes sociais]. […] Que porcaria de líder é esse?” A verborragia, sabemos, é do líder evangélico Silas Malafaia em entrevista à jornalista Mônica Bergamo da Folha de S.Paulo. Houve quem achasse um absurdo dar ouvidos a Malafaia, que não tem cargo e nem filiação partidária. Creio que por estes motivos mesmos é que se tenha de prestar atenção ao que vociferou o pastor na última semana. Malafaia foi lá e puxou a corda. Testou para ver até onde vai a força de Bolsonaro como líder da direita. E por que ele fez isso? Porque as urnas parecem ter dito que a direita não tem dono e, talvez, ainda é só um talvez, o eleitor médio esteja querendo um líder mais palatável. É hora, portanto, de colocar o líder na berlinda.
O primeiro ponto a se olhar é a vitória dos partidos de centro e de direita. A alcunha de centro é sempre atrelada ao fisiologismo político, mas há de se concordar que é esta a história do voto na Nova República. Eleitores nos últimos quarenta anos tem se mostrado assim: um tanto quanto conservadores, religiosos e com hábitos tradicionais do ponto de vista familiar. Ao menos este é o filme quando olhamos para o período, com raras exceções à esquerda, quando na primeira década do século se viu um voto mais “progressista”. Ou com uma guinada bem mais à direita, quando se materializou um eleitor mais reacionário desde a eleição de 2018, quando Bolsonaro fez coro e puxou a direita para um lugar de liderança no cenário nacional.
Perceba que Bolsonaro é o líder desta direita e ninguém ainda ousa dizer completamente o contrário, embora muitos arrisquem veladamente com frases soltas aqui e ali. Malafaia, por mais que tenha sido enfático em suas palavras, entende o poder do ex-presidente, mas percebe que o cenário que vai se mostrando é outro. Se no passado quem brigasse ou ousasse discordar do ex-presidente era catapultado ao ostracismo, a exemplo de Joice Hasselmann e João Doria, o enredo agora é um pouco distinto.
Bolsonaro está inelegível, nunca teve uma história de lealdade partidária. Por onde passou valeu-se de extrair para si e para a família o que lhe era necessário. Terminado o extrativismo, pulava fora. Passou por 8 partidos e amealhou seguidores fanáticos, mas pouquíssimos apoiadores leais. E em momentos difíceis, principalmente no contexto da vida partidária, amigos leais fazem a diferença. Lula e o PT que o digam.
Um segundo ponto é que por estes motivos todos, Bolsonaro se tornou um líder duvidoso. Tivesse ido para o embate, mesmo perdendo, talvez colhesse outros frutos. Não o fez porque não seria capaz. Ele nunca perdeu eleição e quando perdeu, tentou ganhar no tapetão e na base do golpe. E agora tem seguidores, muitos eleitores, mas não pode ser votado. Seu papel é o de cabo eleitoral, mas ele não gostou da indumentária do coadjuvante. O sistema partidário não pode esperar e a fila anda.
E aí é que voltamos ao começo do texto. Malafaia está testando quem pode ser o substituto. Aparentemente aponta o dedo para Tarcísio de Freitas, o tal líder moderado do bolsonarismo. Ora, ora.. de novo vem a pergunta: mas por que Malafaia teria essa prerrogativa? Há outros tantos que o têm, claro. Ciro Nogueira saiu em ofensiva para demarcar território, por exemplo.
Mas a resposta à importância da fala de Malafaia eu deixo a cargo do próprio Bolsonaro que silenciou e amenizou a situação. Se o fez, é porque entende que a liderança do pastor frente à parcela dos muitos evangélicos é importante, bem como seu poder sobre a bancada de pastores é igualmente inquestionável. Assim como um certo poder sobre ele, Bolsonaro, também parece ficar escancarado. “Vamos pra rua e para de chorar” diz Malafaia em certo momento da entrevista. Ele se coloca como tutor de Bolsonaro que aparentemente veste a carapuça.
Em tempo, vale lembrar que mesmo se colocando com um líder suprapartidário e testando seus poderes nesse campo, Malafaia faz todo o escarcéu porque sai em defesa de seu próprio reduto, ou seja, a igreja como instituição que faz a mediação entre fiel e o divino. Não por acaso, menciona o poder e a inteligência de Marçal ao criar uma legião de mais de dois milhões de adeptos que compram seus cursos, formam núcleos e são instados a professar sua fé sem a intermediação da igreja e a contribuição de dízimos. Sua revolta é também uma cobrança aos que não estiveram nessa trincheira com ele, mas também um alerta ao discurso antissistema não só no campo político, mas – e principalmente – religioso.
E sobre o novo líder que possa fazer coro ao voto da massa que parece se identificar com a centro-direita? Há muitos, obviamente. Mas uma coisa é certa: não será apenas com Jair Bolsonaro e com o PL de Valdemar da Costa Neto que esse jogo terá de ser combinado, mas com todos os partidos que têm colhido frutos da guinada à direita dos últimos anos. O União Brasil com o governador Ronaldo Caiado, o Republicanos com o governador Tarcísio de Freitas, o PP de Ciro Nogueira, o PSD de Kassab, todos estarão sentados à mesa querendo uma fatia desse bolo. Gilberto Kassab, que olha mais para 2030, seja pela conjuntura, seja pela por interesses próprios, parece ser o que mais tem noção do que vem pela frente, a se ver.
* Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com esta coluna