MPF garante continuidade de projeto para conservar a ararinha-azul no país
Órgão arquiva tentativas de paralisar ações que permitiram o retorno da espécie ao habitat, após extinção há mais de 20 anos

O esforço que permitiu o retorno da ararinha-azul ao seu habitat natural no sertão da Bahia, depois de considerada extinta, voltou a ser ameaçado. Uma disputa institucional colocou sob risco jurídico e operacional um dos programas de conservação mais bem-sucedidos do Brasil.
Acontece que, após mais de duas décadas sem qualquer exemplar vivendo livre, a ararinha-azul voltou a voar na Caatinga, a partir de uma cooperação internacional. Desde 2019, o programa foi conduzido em parceria entre o governo brasileiro, por meio do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e a ONG alemã ACTP (Association for the Conservation of Threatened Parrots), responsável pela reprodução das aves em cativeiro fora do país. Foi esse trabalho que permitiu recuperar os animais e iniciar o processo de reintrodução no Brasil.
Em 2024, o acordo entre o ICMBio e a ACTP foi encerrado. A gestão técnica do projeto passou então a ser responsabilidade da Blue Sky Caatinga, uma empresa brasileira sediada em Curaçá, na Bahia, que já atuava no projeto como parceira voluntária e que tem como atividade principal o desenvolvimento de ações para o reflorestamento da caatinga, geração de créditos de carbono e educação ambiental na região.
Do início do projeto até agora, 101 aves foram trazidas para o criadouro instalado na Bahia, além de outras 3 encaminhadas a centros de reprodução parceiros no Brasil. O projeto conquistou marcos importantes, como a soltura de 20 ararinhas na natureza em 2022 e, em seguida, o nascimento dos primeiros filhotes em vida livre, algo que não acontecia desde o ano 2000.
As denúncias e o risco
Mesmo com os avanços do programa, o projeto foi alvo de denúncias feitas pela ONG RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres), que levaram o caso ao Ministério Público Federal (MPF).
As acusações tinham dois focos. A primeira questionava a compra da Fazenda Concórdia, imóvel que hoje abriga a área de soltura das ararinhas em Curaçá. A segunda levantava suspeitas sobre a transição da gestão do projeto, após o fim do acordo com a ACTP, para a Blue Sky Caatinga, sugerindo que poderia haver conflito de interesses envolvendo Ugo Vercillo, biólogo, ex-servidor do ICMBio e atual diretor da Blue Sky.
O que o MPF concluiu
Depois de analisar os fatos, o Ministério Público Federal arquivou as duas denúncias. No caso da compra da fazenda, ficou comprovado que o valor de R$ 955 mil pago decorreu de um acordo judicial legítimo, homologado pela Justiça do Trabalho. A denúncia citava um valor de R$ 25 mil, que, segundo o MPF, era apenas o valor de alçada da petição inicial, uma referência técnica comum em processos trabalhistas, que não reflete o valor real da dívida, que ultrapassava R$ 800 mil, somado a indenizações.
O MPF também concluiu que não houve qualquer irregularidade na negociação. E ainda afirmou que Ugo Vercillo estava formalmente licenciado do ICMBio desde 2021, com autorização da Controladoria-Geral da União (CGU) para atuar no setor privado, afastando qualquer possibilidade de conflito de interesses enquanto servidor público.
Sobre a condução internacional do projeto, o MPF não identificou qualquer ilegalidade. Fez apenas uma recomendação para que o Brasil mantenha cautela nas discussões internacionais sobre conservação, especialmente no âmbito da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas), onde existem debates sensíveis envolvendo espécies ameaçadas como a ararinha-azul.
Na avaliação do advogado Alexandre Vitorino, que acompanha o caso, as acusações da RENCTAS, feitas com base em interpretações equivocadas e ilações, poderiam ter comprometido a continuidade de um dos maiores projetos de conservação de fauna do país. “Esse episódio deixou claro que, além dos desafios biológicos e ambientais, projetos de conservação são vulneráveis a disputas institucionais e narrativas infundadas, que geram instabilidade e podem impactar seu financiamento. Como qualquer iniciativa de conservação, o programa da ararinha-azul precisa de segurança, estabilidade e colaboração, não de disputas que desgastam e desviam energia das atividades que realmente importam, como a proteção da biodiversidade”, afirma.