O agro brasileiro na mira de Trump
Setor parece brincar de roleta-russa ao apoiar visão de mundo do errante presidente dos EUA

O alinhamento do agro brasileiro às ideias e políticas de Donald Trump não é novidade, já que o setor é um dos principais sustentáculos do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos, que seguem promovendo a agenda do americano no Brasil. Como está provado nas investigações da Polícia Federal parte do financiamento para as ações dos golpistas veio do “pessoal do agro”
No entanto, há um paradoxo evidente: enquanto setores do agro brasileiro demonstram simpatia por Trump, suas políticas protecionistas representam um risco direto ao comércio exterior do Brasil, em grande parte de produtos do agro. O líder tem sustentado o discurso mais nacionalista das últimas décadas no país norte-americano. O problema é que o Brasil é o principal concorrente dos EUA no comércio global de produtos do agro. Além disso, é o segundo maior destino do Brasil quando se trata desses produtos. Assim, o apoio do setor a Trump pode se revelar um erro estratégico.
Já em seus primeiros meses no poder, Trump mencionou diversas vezes o Brasil como um dos países que precisariam ser retaliados por, segundo ele, aplicarem tarifas alfandegárias injustas contra os Estados Unidos. Em seu discurso ao Congresso americano na terça-feira, 4, voltou a reforçar essa narrativa, deixando claro que o Brasil está no radar de suas medidas protecionistas. Os primeiros alvos são os de sempre, aço e alumínio, mas logo depois vem etanol, em grande parte produzido em São Paulo.
Uma das principais formas de retaliação seria o aumento imediato das tarifas sobre produtos brasileiros, o que prejudicaria fortemente o setor agroexportador nacional. Além disso, há o risco de um acordo de livre comércio entre Estados Unidos e Argentina, o que poderia abrir novas oportunidades para os hermanos no mercado internacional. Embora a Argentina não tenha a mesma capacidade de produção que o Brasil, uma parceria estratégica com os EUA poderia fortalecê-la consideravelmente, principalmente se envolver transferência de tecnologia e investimentos industriais, e principalmente tornar letra morta o próprio Mercosul.
Outro fator determinante para o agro brasileiro é o desenrolar das relações comerciais entre EUA e China. Se um acordo entre as duas potências for concretizado, os produtos brasileiros podem perder espaço no mercado chinês, hoje o principal destino das exportações do agronegócio nacional. Neste momento está deixado de lado porque o ambiente é de guerra comercial. Se as negociações entre Washington e Pequim permanecerem travadas, o Brasil tende a ganhar ainda mais relevância nesse comércio, reforçando sua posição como grande fornecedor de commodities agrícolas para a China. O problema é que pode vender mais um produto ou outro, mas será atingido pela crise global se a guerra comercial de Trump for efetivada.
Diante desse cenário, é evidente que o agronegócio brasileiro precisa agir com cautela. O alinhamento automático a Trump pode ser perigoso, pois sua lógica nacionalista e protecionista visa fortalecer a produção interna americana, não os interesses do Brasil. Apoiar um líder que já declarou a intenção de retaliar o país é um movimento arriscado, que pode comprometer um setor essencial para a economia brasileira. Em um cenário de incertezas globais, é fundamental que o Brasil adote uma postura pragmática e estratégica, diversificando seus mercados e fortalecendo sua posição comercial sem depender de preferências políticas voláteis. Afinal, no jogo da geopolítica, simpatias ideológicas não pagam contas – estratégia e inteligência, sim.