O apagão que ninguém vê em São Paulo
Prefeitura descumpre decisão do Superior Tribunal de Justiça e município gasta R$ 10 milhões a mais todo mês pela iluminação pública da capital
A prefeitura de São Paulo mantém, dez meses depois, o descumprimento da decisão do Superior Tribunal de Justiça que obriga a gestão a retomar o processo de licitação da parceria público privada para a iluminação da capital. A decisão do STJ, se cumprida, representaria uma economia de R$ 10 milhões por mês aos cofres do município. Há uma semana, a corte rejeitou o último recurso sobre o tema.
Para quem não se lembra do caso, a ação se refere a uma disputa entre dois consórcios: o FM Rodrigues/CLD, atual executor do serviço, e o Walks, que apresentou a proposta mais barata, mas foi desclassificado do certame, em meio a indícios de corrupção para favorecer o seu concorrente, tudo em investigação no Ministério Público e por outros órgãos de fiscalização e controle.
Além de não cumprir a decisão do STJ, a prefeitura segue criando subterfúgios para escapar da sua obrigação legal. Criou uma comissão processante dentro da SP Regula, órgão do município responsável pela licitação, para reafirmar que a Walks não pode participar do certame. E, em um lance que mostra a intenção de manter a FM Rodrigues à frente deste contrato bilionário, a comissão chegou a protocolar no sistema da prefeitura, em menos de 24 horas, duas versões de um mesmo parecer sobre o caso. Com um detalhe: a segunda versão, protocolada no dia 21 de fevereiro, às 8h35, deixou de fora exatamente um dos pontos mais importantes da defesa do consórcio Walks.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
É claro o apagão que vive a cidade de São Paulo sob o comando de Ricardo Nunes, que busca a reeleição. O mesmo prefeito que pede a intervenção do Tribunal de Contas da União para cancelar o contrato com a empresa de energia responsável pelos serviços residenciais e comerciais, a Enel, não parece ter a mesma postura para tirar da iluminação pública de São Paulo um consórcio que vende um serviço R$ 2,1 bilhões mais caro, em valores atuais, ao município.
Além de cobrar mais pelos serviços, a FM Rodrigues está negligenciando o cronograma da modernização e expansão da iluminação pública na capital. Dos 50 mil novos pontos de iluminação, apenas 10 mil foram entregues. Na questão do controle inteligente e remoto das luminárias, conhecido como Sistema de Telegestão, o caso é ainda mais grave: os equipamentos foram instalados sem o módulo de gestão à distância. Dos 550 mil pontos de que deveriam estar conectados ao Sistema, apenas 320 mil estão e de forma precária.
A concorrência da iluminação pública foi lançada em 2016 e assinada em 2018, mas até hoje não chegou a uma solução. Na época, quando foram abertos os envelopes com as propostas, verificou-se uma diferença muito alta de valores entre os concorrentes. O Consórcio Walks ofereceu R$ 5,3 bilhões por um contrato de 20 anos. O Consórcio FM Rodrigues/CLD, por sua vez, apresentou proposta de R$ 6,9 bilhões nas mesmas condições.
O caso foi levado aos tribunais. Em dezembro de 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que foram ilegais os motivos de exclusão do Consórcio Walks da licitação e determinou a anulação integral da concorrência em razão das denúncias de corrupção. Em 2019, o caso chegou ao STJ e a decisão foi no mesmo sentido. Só falta ser cumprida.
Em vez disso, a prefeitura preferiu beneficiar a FM Rodrigues em outra frente. Incluiu no escopo da PPP da Iluminação Pública a gestão de todos os semáforos da cidade. Um complemento bilionário que, assim como no caso da iluminação pública, tem deixado a desejar. Quem passou pela Faria Lima, uma das principais avenidas da capital, na tarde de terça-feira 19, encontrou semáforos desligados. A prova do apagão que tomou conta de São Paulo.
O QUE DIZ A PREFEITURA
Procurada pela coluna, a Procuradoria Geral do Município de São Paulo esclarece que a decisão do STJ está sendo cumprida e que garantiu o direto de ampla defesa ao Consórcio Walks. Por meio da Portaria 45/SP-REGULA/2023, designou os membros da Comissão Especial de Licitação para a retomada da Concorrência. A Comissão analisou a decisão do STJ e decidiu pela criação da Comissão Processante para o direito ao contraditório e a ampla defesa de ambas as partes. O processo segue em análise.