Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Matheus Leitão

Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
Continua após publicidade

O Desenterro do Brasil

Roteirista Daniel Fraiha vê garra brasileira nas Olimpíadas como símbolo de resgate da nação em tempos de desesperança

Por Daniel Fraiha
Atualizado em 8 ago 2021, 19h37 - Publicado em 8 ago 2021, 19h26
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A história de obstáculos no caminho da Cinemateca Brasileira é um reflexo triste de muito do que representa o Brasil, um país de tanta riqueza enterrada e incinerada.

    Um ano depois de se tornar uma entidade independente, a instituição passou pelo seu primeiro incêndio em 1957. Nas décadas seguintes, foram mais quatro incêndios (1969, 1982, 2016 e 2021) e uma enchente (2020). O fogo mais recente, no final de julho, talvez seja o mais simbólico, dados os inúmeros avisos prévios que prenunciavam a tragédia.

    As queimadas da nossa história cultural são mais um atentado contra o país, que já sofreu muito em décadas passadas, mas nunca viu tanto fogo e destruição como agora. As chamas da Cinemateca, além de simbólicas, são também um manto de cinzas que vêm se espalhando pelas cores do Brasil nos últimos tempos. Uma massa de poeira mortal que se mistura a outros péssimos ingredientes e transforma em lama tudo à nossa volta.

    Lembra o cenário pós-apocalíptico traçado pelo escritor José Eduardo Agualusa em seu romance “Os Vivos e os Outros”. Em determinado ponto da história, depois de dias de chuvas torrenciais “apagando” quase tudo, o céu clareia e resta apenas lama. Ao caminhar pelos escombros, o chefe da polícia local vê dois meninos escavando o lodo e pergunta o que estão fazendo. Um dos meninos encosta a pá e responde, desafiador: “Estamos a desenterrar o país, chefe”. O policial, debochado, deseja boa sorte e comenta rindo: “Vão ter de cavar pelo resto da vida”.

    É a mesma impressão que tenho às vezes ao ver o que acontece no comando do Brasil. A diferença é que a chuva não para. A lama e o lodo são mais intensos a cada dia.

    Continua após a publicidade

    Ainda assim, há muita gente cavando. E as Olimpíadas de Tóquio foram um belo exemplo dessas gerações de brasileiros e brasileiras exímios na arte da escavação. O Brasil de verdade, que vai muito além do cercadinho, é esse de Ítalo, Rebeca, Isaquias, Ana Marcela, Hebert, Rayssa e tantos e tantas atletas incríveis, que dedicam vidas inteiras a mostrar que a construção de longo prazo é uma luta diária. Cada pá de terra retirada faz diferença. O Brasil se desenterra no braço e no grito de toda essa gente fantástica que não abaixa a cabeça pra covardia que tenta silenciar as raízes do País. Não é o patriotismo de conveniência, mas o que vem da alma.

    É esse verde e amarelo que precisa retomar as rédeas nacionais.

    Não a gola cara dos importados nas estátuas e avenidas, mas o suor real de quem trabalha de verdade sem descanso pra erguer os dias.

    Continua após a publicidade

    Não a preguiça e a bravata de quem esbraveja sem qualquer projeto de país, mas sim a determinação de quem projeta a essência do Brasil pelo mundo.

    Seja no cinema, nas artes, nos esportes ou onde for, pessoas que cultuam com respeito e dignidade a nossa história, e elevam com coragem e persistência a identidade brasileira, em toda sua beleza, força e diversidade.

    São elas que representam a nação e todo o paradoxo que se impõe em tempos tão difíceis. Ao mesmo tempo em que precisamos do silêncio em respeito ao luto nacional, precisamos do grito dos brasileiros pra desenterrar a lama que nos jogam.

    Continua após a publicidade

    Uma mistura que se vê com alguma sutileza nos versos do poeta chileno Pablo Neruda, no poema “Peço Silêncio”: “Porém, por que peço silêncio / não creiam que vou morrer: / passa comigo o contrário: / sucede que vou viver”.

    Esse grito silencioso, que vem preso no peito de tanta gente, vai redesenhar o nosso destino como nação. O Brasil está vivíssimo, no silêncio e no grito. Nos pódios ou nas plateias, a maioria continua cavando. O desenterro uma hora chega.

    Daniel Fraiha é jornalista e roteirista, Mestre em Criação e Produção de Conteúdos Digitais pela UFRJ e sócio da Projéteis – Criação e Roteiro.

    Publicidade

    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.