O estudo publicado pela FGV em meio à crise na Petrobras
O cientista político Rodrigo Silva detalha análise sobre a cobertura da decisão de não distribuir lucros aos acionistas
Na última semana, diante da indigestão do mercado em não aceitar a decisão da Petrobras sobre a não distribuição de lucros aos acionistas, pulularam análises aqui e ali para falar sobre o tema. Alguns (poucos) favoráveis; outros (muitos) contrários, permearam os jornais, programas televisivos, podcasts e entrevistas nas redes sobre a discussão dos dividendos da petroleira, a maior empresa brasileira de capital misto, cujo maior acionista é o Estado.
Para além de todas as análises, uma pergunta se impõe ante o fato: o jornalismo de análise econômica no Brasil é diversificado ou é uníssono diante de temas como esse da Petrobras?
Pesquisadores do Observatório de Elites Sociais e Políticas ligados ao Programa de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná fizeram essa pergunta e conduziram um estudo, recentemente publicado na Revista Estudos Históricos da Fundação Getúlio Vargas.
Intitulado “A elite dos colunistas de economia como comunidade epistêmica”, o artigo procura compreender se o debate econômico travado nos principais jornais brasileiros é diversificado ou concentra-se em um pensamento único. Os autores, por meio de uma biografia coletiva dos colunistas, tentaram compreender o local de formação e a trajetória profissional desse grupo, a fim de entender as redes e, consequentemente, o pensamento difundido por eles. O questionamento dos pesquisadores é saber se a difusão das ideias econômicas se dá por um viés ortodoxo (mainstream) ou heterodoxo (dissonantes, portanto, do “meio mais influente” da área).
O trabalho demonstra que o grupo é formado essencialmente por homens, quase 77% do universo analisado, frente aos 23% de mulheres. Todos os colunistas têm pelo menos uma graduação de nível superior. Destes, 79,48% realizaram a sua graduação em instituições públicas, 15,39% em instituições privadas e 5,12% realizaram uma graduação em uma instituição pública e outra em uma instituição privada. A maioria, 92,3%, cursou universidades no Brasil. 56,41% se formaram em Economia ou em Economia e em outros cursos; 23,08% em jornalismo ou em jornalismo e em outras disciplinas; e 20,51% têm outras formações.
Quanto às pós-graduações, 82,05% têm pós-graduação em algum nível. Dentre os que têm pós-graduação, 75% são doutores, 21,87% são mestres e 3,13% são especialistas. Uma maioria de 90,63% tem como maior nível de pós-graduação um curso em Economia e derivados. Dentre estes pós-graduados em Economia, 41,38% realizaram o maior nível de sua pós-graduação no Brasil. O mesmo número realizou nos Estados Unidos; 10.34% no Reino Unido e 6,9% na França. Assim, uma maioria de 58,62% cursou o maior nível de sua pós-graduação em Economia no exterior. Quanto ao envolvimento em think tanks, 53,85% não tem qualquer envolvimento com esse tipo.
Vale ressaltar que para chegar a este universo de análise, os autores que conduziram o estudo lidaram com duas frentes. A primeira delas foi pela posição – principais veículos do país (Globo, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Valor Econômico – este por ser exclusivo do debate econômico). A segunda foi a reputação, ou seja, o reconhecimento por especialistas de quem são os principais colunistas. Ao todo, depois de excluídos frente aos critérios da pesquisa, elencaram-se 39 nomes.
Sobre a origem dos colunistas, de longe figura a Universidade de São Paulo (USP), seguida pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade de Brasília (UNB). Os autores destacam que USP e UNB concentram colunistas cuja formação é Jornalismo, ao passo que as demais concentram a formação de colunistas no curso de Economia.
Além disso, os colunistas economistas são mais atuantes no mundo político — 38% deles participaram de atividades de governo em diferentes níveis, contra, por óbvio, 5% dos jornalistas de carreira. Ademais, os colunistas economistas são mais engajados na militância ideológica — 46% deles se vinculam a think tanks de vários tipos, como acadêmicos diversificados, empreendimentos de políticas públicas, de tipo defesa, ou representação, de causa ou ideologia.
Dentre as conclusões, mesmo tendo relativa pluralidade na formação, os colunistas econômicos ortodoxos são fundamentais entre distintos espaços sociais na rede de relações. Os autores destacam, em especial, o Instituto Millenium, think tank de clara posição ortodoxa, que exerce centralidade e influência nos achados da pesquisa. Ademais, esses colunistas de formação econômica e, portanto, portadores de informações e de esquemas interpretativos ligados às think tanks, exerceriam forte influência sobre os demais, em especial os colunistas jornalistas, que tem presença cotidiana nos periódicos por meio de suas colunas.
Desse modo, concluem, os colunistas economistas e colunistas jornalistas formariam, sim, uma comunidade que molda e dissemina o consenso ortodoxo no país. O próximo passo dos autores, para além da reputação e da colocação dos colunistas, é uma análise aprofundada do conteúdo dos artigos publicados.
* Rodrigo Silva é graduado em História (PUC-PR) e aluno de Jornalismo (Cásper Líbero). É Mestre e Doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política, é vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem)