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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

O Império da Lei e o Império da Integridade 

Em artigo enviado à coluna, a promotora Luciana Asper elenca valores que permitirão que o Brasil alcance seus potenciais em termos de desenvolvimento

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 ago 2024, 22h36 - Publicado em 28 ago 2024, 21h35

O Império da Lei e da Ordem não existe fora da integridade humana. As instituições só entregam o que as pessoas que dela fazem parte estão vocacionadas, capacitadas e preparadas para entregar. Nada além. É por isso que a própria Declaração Universal de Direitos Humanos aponta com precisão que se almejamos a liberdade, a justiça e a paz no mundo precisaremos antes formar, educar seres humanos “com uma razão e uma consciência que lhes habilite a se relacionar uns com os outros a partir do espírito de fraternidade”. Somente de pessoas íntegras e fraternas poderá surgir o verdadeiro Império da Lei Justa: aplicação de uma ordem jurídica capaz de efetivamente repelir, conter e prevenir às violações aos direitos fundamentais. Fica, portanto, a pergunta: será que nossas dores já nos permitiram amadurecer o suficiente para compreender que somos todos responsáveis por priorizar, onde quer que estejamos, o engajamento dos diversos segmentos da sociedade civil na promoção de políticas educacionais para a formação de pessoas íntegras, retas, virtuosas, valorosas, fraternas e vocacionadas para servir e para atender às necessidades do povo e que sejam comprometidas em gerar oportunidades que impulsionem não só a dignidade, mas também a excelência e prosperidade entre nós? 

Gastamos anualmente cerca R$ 140 bilhões com o Poder Judiciário, o mais caro do mundo em relação ao PIB. Estes valores cuidam de 84 milhões de processos, distribuídos por 91 tribunais, 18 mil juízes e 275 mil servidores. Para a feitura das leis federais, temos o segundo Congresso Nacional mais caro do mundo em valores reais, atrás apenas dos Estados Unidos, cujo PIB é 13 vezes o brasileiro. Isso sem falar nos investimentos que fazemos nos parlamentos estaduais e municipais. Mas, qual a experiência de “ordem jurídica” que este investimento e tantos outros está nos assegurando no que toca ao bem estar e qualidade de vida do brasileiro e ao desenvolvimento sócio econômico do Brasil? Vários indicadores sociais, índices de percepção da corrupção e competitividade global nos trarão respostas e somente para exemplificar como estamos falaremos de dois: O Relatório dos Custos Econômicos da Criminalidade no Brasil e O Ranking de Competitividade Global. Quanto ao primeiro indicador referente à segurança pública, o levantamento feito pelo governo federal em 2018, apontou que entre 1996 e 2015, o custo econômico da criminalidade cresceu R$ 172 milhões na época, mais do que dobrando no período. O gasto com segurança pública passou de R$ 34 bilhões em 1996 para R$ 89 bilhões, em 2015, ou seja, aumentou 261%, enquanto o número de homicídios, ao invés de diminuir, aumentou 154%: de 35 mil para 54 mil por ano. Na competitividade global, por sua vez, as variáveis da notoriedade da corrupção, da insegurança jurídica, da burocracia e do aumentado risco de punições internacionais em caso de envolvimento com suborno, levaram o Brasil de 2024 a ficar entre os cinco menos competitivos dos 67 países comparados, sendo que já ocupou a 32a posição em 2010. São inúmeras as variáveis que nos trazem resultados assim, mas o fato é que a forma como investimos nossos recursos públicos não está permitindo que haja o fortalecimento da ordem jurídica mínima capaz de trazer a mais básica segurança para a população, que é a de não ser morto a caminho da escola, do trabalho ou em casa e nem mesmo ter um terreno minimamente estável para atrair investimentos, empregos e dignidade. Dito isso, há um forte indicativo de que estamos sendo convocados a inovar, incorporando processos essenciais que outrora eram considerados fora do padrão. Sempre achamos que a integridade do ser humano, suas forças de caráter, virtudes e valores deveriam ser “aprendidas em casa”. Mas quando, por inúmeros fatores, os processos e aprendizagem das virtudes não ocorrem em casa, o que faremos como nação? Continuaremos como expectadores frustrados reclamando insistentemente das instituições e vendo o discurso de Rui Barbosa de 1914 se perpetuar como atualíssimo: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Ou partiremos para uma formação estratégica, universal e sustentável de pessoas íntegras que um dia assumirão a regência da nossa nação? O fato é que somos integralmente responsáveis pelo futuro que estamos formando hoje e pelo que aceleração de todo conhecimento e partilha de informação vai produzir seja para o bem, seja para o mal. 

O homem desprovido de integridade, que não recebeu a oportunidade de desenvolvê-la ou, tendo tido, escolheu mesmo seus interesses egoísticos, é regido por ideias e decisões que desprezam a ordem jurídica. Quando esta contrariar seus interesses, será tida apenas como um “obstáculo a ser vencido” para que o seu plano fora da lei se complete. É que este homem corrompido, rompido no seu core, depois, se puder, ainda irá buscar um caminho qualquer, legal, administrativo ou judicial, para aniquilar esta norma jurídica “inconveniente”, a fim de que possa continuar fazendo o que faz independente das dores e misérias alheias e, preferencialmente, sem qualquer risco de ser importunado. Mas não é só. Este homem de coração cauterizado quando puder, se tiver poder para isso, buscará, ainda, todos os meios necessários para que esta ordem jurídica, que o contraria, deixe mesmo é de existir, seja revogada ou esvaziada por completo por uma outra norma ou decisão administrativa ou judicial. O homem corrupto ainda quer um aval, um selo, um atestado de que o que ele faz é aceito, que está “correto”, mesmo que sua prática seja abominável. Ele quer alguém que o “autorize” a viver assim, de modo que a “culpa” não será dele, mas de quem o “autorizou” e as suas noites de sono sejam tranquilas. 

Na história recente do Brasil, vivemos experiências de aniquilação da ordem jurídica justa, batizada por especialistas como uma “avalanche de legalização da corrupção”. Leis justas e legítimas foram devidamente aplicadas para zelar pelos recursos públicos com punições proporcionais contra todos aqueles que decidiram racionalmente se apropriar do que é do povo. Assim, o Império das leis que defendiam o povo da corrupção se manifestou. Mas apenas por um breve instante, até ser esvaziado, destruído, anulado ou prescrito. O esvaziamento da norma proibitória da corrupção foi tal que o próprio Sistema de Justiça agora está sendo a casa onde tramita pedidos “jurídicos” de “restituição” dos valores outrora devolvidos aos cofres do povo como subornos e propinas milionários. Para os que apresentam tais petições na Justiça e os que as recebem e permitem tramitar não bastam as tragédias que cidadãos privados dos seus serviços essenciais já tenham sofrido, admite-se que toda usurpação e saque ao povo ocorra novamente, só que agora não por meio de esquemas sujos e escusos em contratos superfaturados, mas em ver tais valores, corrigidos monetariamente e com juros, chegarem a suas contas “devidamente restituídos” pela ordem jurídica posta. 

Nossa sociedade, gravemente privada de seus serviços e direitos mais básicos e adoecida pela ganância e usurpação de alguns, não pode continuar paralisada. Precisamos desenvolver mecanismos educacionais eficientes que promovam a formação de seres humanos íntegros, retos, fraternos e virtuosos, tanto para liderar, quanto cidadãos para serem liderados. Se tão só conseguirmos sair da reatividade “a tudo de mal que nos fazem”, da vitimização, lamentação e apontamento dos culpados por nossas desgraças, e entrarmos no lugar da responsabilidade por tudo aquilo que precisamos fazer de novo e ainda não fizemos, pode ser que entreguemos a nós mesmos, ao nosso povo e nação a esperança 

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de usufruir de um futuro concreto de grandes potenciais. A nossa histórica e sistêmica condição de precariedade, miséria, tolerância à corrupção e impunidade retrata que é inadiável, urgente que passemos a assumir a educação para integridade como política prioritária de todos os segmentos da sociedade civil (público e privada). Permitir que pessoas troquem suas experiências de egoísmo, violência, engano, opressão, usurpação, medo e insegurança por novas experiências de confiança, generosidade, coragem, responsabilidade, virtudes e forças de caráter teremos algo mais concreto para dizer que reescreveremos a nossa história. É induvidoso que teremos aqueles que se recusarão a aprender ou assimilar qualquer princípio da integridade, que não aceitarão as renúncias inerentes às escolhas virtuosas, mas precisamos, ao menos, criar as oportunidades concretas de novas experiências para que seja esta nova cultura possa se estabelecer como majoritária entre nós. 

Quando decidirmos nos tornar realmente responsáveis pela oferta de oportunidades reais de um letramento para integridade que transforme não só nós mesmos, mas também nosso povo vamos começar a edificar um alicerce mais sólido e seguro sob o qual depositar nossos sonhos e esperanças. Quando estivermos decididos a manejar nossos recursos, talentos e conexões humanas para aperfeiçoarmos esta integridade pessoal dos brasileiros, quando valorizarmos e priorizarmos os processos de influência, impacto cultural e geracional que os valores, princípios e forças de caráter sustentados na fraternidade humana, inclusive quanto aos operadores do direito e aí poderemos sim sonhar com líderes e liderados servis e doadores voltados a uma ordem jurídica justa e um Império da Lei que assegure o bem estar e direitos fundamentais de todos. 

Seria extraordinário se a escrita da Declaração Universal de Direitos Humanos e de todos os demais belíssimos tratados, convenções e textos legais planejados para construir o fundamento de liberdade, justiça e paz no mundo fossem suficientes para materializar os comportamentos humanos virtuosos que sustentariam seus preceitos. Mas edificar o Império da Integridade é processual, requer o “edificar”, “construir”, “fazer as fundações”, “levantar pilares, paredes, etc…” Há um inevitável processo de aprendizagens e experiências capazes de impactar as escolhas humanas. Integridade só se desenvolve nas relações humanas reais. Precisamos vivenciar estas experiências virtuosas e valorosas de relações humanas fraternas para então poder internalizar que, de fato, ser virtuoso, justo, generoso e servil traz mais bem-estar do que ser mesquinho, egoísta e ganancioso. Essa experiência transforma mentalidades, criando desejos de repetição de práticas virtuosas até se tornarem habituais e cada vez mais naturais, começam a impactar outros pelo processo de influência e finalmente se estabelece como uma nova cultura. Um pouco de maturidade leva-nos a compreender que não são os títulos, cargos ou bens materiais que nos dirão que fomos prósperos ou cumprimos grandes propósitos. A única coisa que vai valer como legado no final da vida é realmente o quanto fomos efetivos em transformar os nossos recursos, pessoais e materiais, em instrumentos para amar, servir, impactar e transformar vidas. Nos reconheceremos como prósperos, bem sucedidos se esta equação estiver em jogo. Como é só isso que vai valer nesta construção deste legado terreno, precisamos nos esforçar para entregar o nosso melhor para o outro todos os dias e fazer isso por completo, sem guardar ou desperdiçar nossos dons, talentos, habilidades e competências em distrações. E há de fazermos isso com um sentido de urgência, pois não sabemos exatamente se teremos um dia ou mais 50 anos para nos doarmos. Só por hoje ser íntegro e por hoje dormir vazio, por isso precisamos ter um sentido de urgência para se entregar para o encontro com a nossa melhor versão. 

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Como nação, para passarmos de uma cultura de corrupção, desvalor e impunidade para uma cultura de integridade, que permitirá que o Brasil alcance todos os seus potenciais em termos de desenvolvimento sócio econômico e bem estar social, é imprescindível que ocorra este processo de mudança individual do seu povo, por meio de uma experimentação de fraternidade nas relações humanas. Não há atalhos, não há heróis, nem salvadores da pátria que nos dispensarão deste processo de aprendizagem da integridade. Não há Império da Lei e da Ordem, não há instituições vocacionadas para servir fora dos cidadãos íntegros responsáveis por reger esta orquestra. Não há como ser um cidadão reto e excelente sem o cumprimento dos seus deveres na sociedade. Não há como se tornar generoso, sem ter que renunciar ao egoísmo nas práticas cotidianas. Não há como se tornar resiliente, paciente, corajoso, gentil, servil sem passar pelos processos de superação. Inteiros são os homens que, zelando pelo outro de modo fraterno, não só não aceitarão a violação do mínimo (ordem jurídica), operando aí sim a efetividade do império da lei, como vão se ocupar de gerir seus recursos e conhecimentos para ter relações significativas e de ganha X ganha, de serviço, generosidade e doação. 

* Luciana Asper y Valdés é promotora de Justiça do Distrito Federal e gestora do Programa Na Moral de Educação para Integridade, Ética e Cidadania 

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