É difícil não nascerem teorias conspiratórias no Brasil. Toda hora surge uma tese nova em Brasília e os culpados nem são os cidadãos brasileiros, mas as autoridades descuidadas dos três poderes da República. A mais recente teoria da conspiração surgiu nesta quinta-feira, 6, quando o juiz Marcelo Bretas prendeu o secretário de Transportes do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy, aliado do governador João Doria.
Responsável pelos processos da Lava Jato no Rio, Bretas conversa com Jair Bolsonaro em redes sociais, se diz honrado/grato por ter o presidente entre os seus seguidores, já participou de eventos políticos-evangélicos com o clã mais poderoso do país e pegou até carona nos carros da presidência. Bolsonaro já prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), justamente a fé professada pelo magistrado apoiador.
João Doria, por sua vez, é um dos principais adversários políticos do presidente. Durante a pandemia do coronavírus, os dois trocaram farpas em reuniões e fora delas, num antagonismo que chegou às manchetes dos jornais enquanto a população morria. Apenas para dar um exemplo, no mais recente entrevero Doria mandou Bolsonaro sair “do mundinho de ódio” e “da fábula” e percorrer hospitais, enquanto o presidente chamou o governador de “bosta”, “leviano” e “demagogo”.
Esse é o mesmo país onde um juiz – no caso, Sergio Moro – manda prender o primeiro colocado das pesquisas que mirava as eleições de 2018 – Lula – e, mesmo vendo o segundo colocado crescer nas intenções de voto – Bolsonaro – e ser eleito seis meses depois, aceita trabalhar em seu governo. Um estrago para a imagem da Lava Jato. Moro já fez um movimento de refluxo ao deixar a gestão bolsonarista neste ano, denunciando de forma contundente a tentativa de interferência política na Polícia Federal, um órgão de Estado.
Também é preciso lembrar que, mesmo que o processo não tenha transitado em julgado, o ex-presidente petista foi condenado não só pela primeira instância de Moro, mas por uma segunda instância e por unanimidade em uma turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso de Alexandre Baldy, o secretário de Dória, é diferente. Está em fase inicial, diz respeito a ações anteriores ao seu papel no governo Doria, mas apresenta provas importantes, como os R$ 200 mil em espécie encontrados em suas casas.
Mesmo assim, a questão sobre as teorias conspiratórias permanece no Brasil. O cerne aqui é onde foi parar a liturgia do cargo nos últimos anos, época em que juízes ganharam uma notoriedade enorme no país? É até cansativo ter que rebater essas teses que surgem aqui e ali à medida que governos de plantão se sucedem na capital.
O ex-procurador Carlos Fernando do Santos Lima explicou de forma bem didática, por exemplo, porque a Lava Jato deveria ter agido independentemente da consequência política da Operação. Quando as teorias parecem se confirmar, pode ser tarde para conter os efeitos, como ocorreu nesta semana em que o STF considerou Moro imparcial na divulgação da delação do ex-ministro Antonio Palocci dias antes das eleições.
Em meio a esse quadro, nasce agora uma iniciativa para impor uma quarentena para juízes que quiserem se enveredar pela política, através de uma alteração na Lei da Inelegibilidade. Oito anos pode ser muito, como tem sido proposto, mas algum limite precisa existir. A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) já estabelece uma série de situações que podem provocar punições a magistrados, entre elas o “exercício de atividade politico-partidária”. Claramente, ela também precisa ser reformada.