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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

O menino que viu na televisão a vida que vivia numa favela do Rio

Na Rocinha, Edu Carvalho viu as balas disparadas na ocupação do Complexo do Alemão como se fosse a vida ao vivo. A cena o ajudou a escolher a profissão

Por Edu Carvalho
20 set 2020, 11h43

O processo de ocupação das favelas do Rio de Janeiro, em 2007, foi o momento em que surgiu uma ponta de esperança para tirar as comunidades do controle do tráfico de drogas. Esperança essa que fracassou – mais uma no Rio. A ocupação revelou, contudo, vários talentos de jovens para a profissão que busca narrar os fatos, o jornalismo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Edu Carvalho, que escreve o artigo abaixo para a coluna:

Parecia que elas, as balas, iriam atravessar a tela, e por um segundo corri pra perto de minha mãe. A sensação de que o visto na tela podia chegar a mim era parecida com a reação das pessoas no cinema, quando viram o trem dos irmãos Lumiere chegando a plataforma, tamanho era o medo da gigante tela. 

Naquele momento era eu, aos oito ou nove anos, assistindo a cobertura de uma operação policial na TV. A ocupação do Complexo do Alemão e a cena dos traficantes caindo e atirando pela Estrada da Grota, com o helicóptero ao vivo captando aquelas imagens, não saem da cabeça até hoje, já com 22. 

Talvez por morar em uma, minhas memórias afetivas relacionadas à televisão no Brasil sempre serão das grandes incursões feitas nas favelas pela polícia, e por sua vez, tendo à companhia das câmeras para registrar. 

Não há como esquecer da quantidade de vezes que vi o cenário onde moro – a Rocinha – ser palco para episódios tristes de violência no Rio de Janeiro. Em alguns momentos, vi o país voltar seus olhos pra cá e acompanhar o que aqui acontecia.

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Mas mudando um pouco da rota, também trago na memória o dia exato onde me descobri jornalista. Foi assistindo o “Jornal Nacional”, no dia sete de  agosto de 2003. Era uma edição especial do noticiário de maior audiência dessa “caixinha colorida”, trazendo naquele dia, a cobertura da morte do fundador das Organizações Globo, Roberto Marinho.

Na bancada, Renato Machado e William Bonner apresentavam, e na voz e imagem desse último, me vi reconhecendo aquilo que faria para o resto da vida. Quando Bonner lê emocionado a carta de agradecimento dos filhos de Marinho à comoção surtida por sua partida, o âncora faz uma pausa nada comum para quem trabalha no meio, olha para a câmera e diz “Eu vou concluir”.

Do lado de cá da tela, apontei para a TV, repetindo mais de uma vez “eu quero ser ele”. Com a maturidade que me é devida hoje, entendo que a vontade de ser ele significava emocionar, conectando pelo sentimento histórias Brasil a fora. “Mas o que a cobertura das favelas tem a ver com o descobrimento da profissão, Edu?”, você há de me perguntar. 

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Tendo a possibilidade de existir e ser enxergado como instrumento de transformação, pude seguir o desejo sonhado de frente à televisão. De certa forma, sou, até o momento, dado positivo no país que a cada 23 minutos mata um jovem com as mesmas características que as minhas – negros e periféricos. Dado este que pode ter feito muitos e muitas desistirem de seguir a profissão de jornalista ou qualquer outra relacionada às câmeras (e não só elas). E tudo por um simples fato: não terem sido vítimas brutais, igualmente aquelas vistas na conta de mortes em decorrência das operações policiais.

Meu desejo como profissional e cidadão é que, nos próximos 70 anos, as memórias das crianças e jovens não sejam apenas relacionadas às tantas formas de violências acontecidas no Brasil de 2020. E que nós tenhamos, para dar e vender, boas recordações ligadas ao momento onde descobriram suas profissões através dessa caixinha colorida que, apesar de tudo, permanece a encantar. 

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