O pódio do esperado solo na ginástica artística foi o momento mais bonito das Olimpíadas de Paris.
Acho difícil ser superado – e não só para o Brasil.
Três mulheres negras, duas delas norte-americanas reverenciando nossa rainha Rebeca Andrade, maior medalhista olímpica brasileira, em um pódio inédito. Nunca antes três mulheres negras ocuparam esse espaço simultaneamente.
Sejamos sinceros: não por acaso! O racismo fez e ainda faz parte do esporte.
No caso da ginástica artística, defendia-se que negras não poderiam prática-lo. Justificavam com uma espécie de racismo científico, dizendo que os ossos das mulheres negras eram pesados demais.
Pesado mesmo é o talento delas. “Eu celebro você, Brasil. Rebeca, você é uma luz. Estas são as mais belas fotos de espírito esportivo, respeito e amor”, resumiu Viola Davis, a atriz negra vencedora do Oscar.
Rebeca, Simone e Jordan Chiles – todas, sem exceção, tiveram infância e adolescência com dificuldades.
Biles parecia super feliz por Rebeca, que deu a mão às colegas na hora em que subiu no lugar mais alto do pódio. As três emanavam felicidade – Jordan chorava desde que pisou no terceiro lugar. Biles, maior de todos os tempos (por enquanto), era uma das duas que, de joelhos, cultuava Rebeca.
Minutos depois, a música “mas que nada” tocava no estádio enquanto a câmera focou na tatuagem “Still I Rise”, de Simone, dando um significado ainda maior para o momento. Título de um poema da escritora negra Maya Angelou, amiga de Martin Luther King e Malcom X, o texto é aclamado pelos movimentos de mulheres negras.
No Brasil, tem sido usado nos últimos anos como bússola para a resistência.
Você pode me marcar na história
Com suas mentiras amargas e distorcidas
Você pode me esmagar na própria terra
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar
Meu atrevimento te perturba?
O que é que te entristece?
É que eu ando como se tivesse poças de petróleo
Bombeando na minha sala de estar.
Assim como as luas e os sóis,
Com a certeza das marés,
Assim como a esperança brotando,
Ainda assim, eu vou me levantar
[…]
Abandonando as noites de terror e medo
Eu me levanto
Para um amanhecer maravilhosamente claro
Eu me levanto
Trazendo as dádivas que meus ancestrais me deram
Eu sou o sonho e a esperança dos escravos.
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto
Nesses dias recebi aquela contestação triste e que se repete até hoje: “por que falar mulheres negras? Por que não escrever apenas mulheres?”.
Respondi assim: “Reconhecer o horror imposto ao povo negro brasileiro, que não recebeu reparação após a escravidão e até hoje sofre com assassinatos em massa, prisões injustas e perpetuação de desigualdades é o correto a fazer.
Devemos muitos dos avanços às mulheres negras!
Elas se levantaram mesmo. Ainda bem.