O primeiro Oscar com significado muito além da festa
Eunice, Rubens, Veroca, Eliana, Marcelo, Analu e Babiu venceram no final

Eunice e Rubens Paiva sempre estiveram na nossa casa. Marcelo também. Desde Feliz Ano Velho, lançando quando eu tinha cinco anos. Que lindo ano novo é 2025. O jornalismo em primeira pessoa do autor foi o meu farol por muitos anos. Virou o farol do Brasil em Ainda Estou Aqui.
A luz apontada para uma mulher que resistiu à violência da ditadura contra ela, os filhos e o marido, o ex-deputado levado da própria casa para um prédio do estado para ser torturado e morto, deu ao Brasil o seu primeiro Oscar.
Ao ganhar o melhor filme internacional, Walter Salles fez um discurso impecável. Curto e discreto, como é seu estilo. Descreveu Eunice como ela merece. Heroína que decidiu resistir pela memória, verdade e justiça enquanto criava cinco filhos. Depois, Walter mirou às Fernandas que nos enchem de orgulho. Rainha mãe. Rainha filha.
Que orgulho enorme ver as Fernandas pelo mundo, mostrando a competência, graça e a beleza de um país que sorri, é feliz não só no Carnaval, mas também chora por Marias, Clarices e Eunices, por seu passado e seu presente.
A dor ainda está aqui. E por vários motivos.
No caso da família Paiva, o crime permanece. O corpo não foi entregue a Eunice, Marcelo, Vera, Maria Eliana, Ana Lúcia e Maria Beatriz, assim como tantos outros.
O crime de ocultação de cadáver é permanente no Brasil – “subsiste até o instante em que o corpo é descoberto, pois ocultar é esconder, sendo irrelevante o tempo em que o cadáver estava escondido”, disse um jurista certa vez.
Pois a Justiça brasileira, incluindo o Supremo Tribunal Federal, nunca obrigou o estado a encontrar os restos mortais de Rubens, usando como desculpa uma Lei de Anistia que deveria ter sido derrubada pela corte há décadas.
Esse sombrio vácuo da família Paiva poderia ter destruído qualquer pessoa. Não a gigante Eunice, ou seus filhos. Foi justamente neste lugar que Marcelo descreveu a grandeza de sua mãe no livro. Apontando também para este local que Walter Salles mostrou ao mundo a resistência heróica de uma mulher e mãe, mas também as contradições de um país que escondeu a memória e a Justiça por conveniência.
Jair Bolsonaro, o ex-presidente inelegível que venceu a eleição de 2018 fazendo odes à tortura e à ditadura, cuspiu no busto de Rubens Paiva quando inaugurado na Câmara dos Deputados.
Ele não perdeu o mandato. Não foi punido em nada. Nem por isso, nem por outros absurdos nefastos que aqueles que resolveram nunca esquecer lembram com ódio e nojo. Os outros brasileiros, não sei. Cuspiram juntos ou fingiram que não viram?
A memória do parlamentar arrastado de casa na frente dos filhos e de Eunice, torturado e morto pela ditadura, foi ferida pelo abjeto político brasileiro que, tantos anos depois, escolheu colocar Ustra e Curió para dentro do Palácio do Planalto. A tortura e assassinato no centro do poder.
O cuspe, desculpe voltar nele, aconteceu na frente dos netos de Rubens Paiva – a sociedade nos mais sombrios anos do país desde a escravidão. Por que o Brasil permitiu? Porque é o que somos também. Não fosse isso, a extrema-direita não teria governado entre 2019 e 2023.
Sem esquecer dos horrores, hoje olharei apenas para o Brasil que se alegrou com a vitória de Walter Salles, que comemorou todas as glórias da Fernanda Torres, a transformou na rainha deste Carnaval, enchendo cinemas – cravando essa história para sempre no nosso coração.
O lindo de 2025? É ver, na noite que passou e neste Carnaval, o colorido das Fernandas. E saber que Eunice, Rubens, Veroca, Eliana, Marcelo, Analu e Babiu venceram no final.