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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Os evangélicos e o fetiche do “marxismo cultural”

Teólogo Rodolfo Capler afirma que o segmento evangélico no Brasil é dominado por uma narrativa paranóica ultraconservadora

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 26 out 2021, 18h06 - Publicado em 24 out 2021, 14h31
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  • Se há um tema que faz a cabeça de boa parte da liderança do segmento evangélico no Brasil hoje é o tal do “marxismo cultural”. Em linhas gerais, os líderes evangélicos brasileiros vivem uma ferrenha guerra cultural lutando contra um inimigo imaginário que se levanta com o objetivo de destruir a família, corromper moralmente a juventude e desvirtuar o caráter das crianças. Chamado de “marxismo cultural”, a estratégia político-ideológica que muitos evangélicos acreditam estar em curso no Brasil, nada mais é que uma errônea e descontextualizada interpretação das ideias do teórico italiano Antonio Gramsci, que durante os anos em que esteve preso (de 1926 a 1937), pelo regime fascista, escreveu os “Cadernos do Cárcere” – uma reunião de 29 cadernos que detinha uma revisão original do pensamento de Marx. 

    Conforme as reflexões de Gramsci contidas especialmente em seu caderno 3, o marxismo precisa impor uma guerra de posição, ao invés de uma guerra de movimento na sociedade. Aos olhos de Gramsci, o antigo modelo de revolução marxista estava fadado ao fracasso, necessitando de uma readaptação contexual, segundo a qual, as organizações sociais que incluem igrejas, instituições de caridade, mídia, escolas, universidades e poder “corporativo econômico” precisavam ser invadidas por pensadores socialistas, para que a revolução ocorresse de dentro para fora de suas estruturas. 

    Os pensamentos de Gramsci foram tecidos na Itália dos anos 30, segundo suas condições históricas, porém, a partir de 1992, foram pontualmente resgatados e instrumentalizados pela direita radical estadunidense, por meio do artigo “New Dark Age: Frankfurt School and ‘Political Correctness” [Nova era das trevas: Escola de Frankfurt e “correção política], publicado na revista Fidelio do Schiller Institute, por Michael Minnicino.  Utilizando conceitos de pensadores da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Walter Benjamin e também refrenciando-se na ameaça do chamado “bolchevismo cultural” dos anos 30 na Alemanha nazista, Minnicino, trouxe à luz e disseminou pela América o conceito paranóico de “marxismo cultural”. 

    De Minnicino a Olavo de Carvalho

    Partindo de Minnicino e passando pelos paleoconservadores William S. Lind e Pat Buchanan, as  delirantes ideias acerca do “marxismo cultural”, chegaram ao Brasil no início dos anos 2000 e foram articuladas e propagadas preliminarmente pelo escritor Olavo de Carvalho, que inescusavelmente bebeu na fonte do filósofo brasileiro Mario Ferreira dos Santos (1907-1968), desenvolvedor do conceito de “barbarismo cultural”. 

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    Em seu artigo “Do marxismo cultural”, publicado em 8 de junho de 2002 em “O Globo”, Olavo repercute muitas das conceituações de Minnicino em “New Dark Age: Frankfurt School and ‘Political Correctness” e acrescenta algumas afirmações espúrias, entre as quais, a de que a Escola de Frankfurt “abandonando as ilusões de um levante universal dos proletários, passou a dedicar-se ao único empreendimento viável que restava: destruir a cultura ocidental” e a de que pensadores como “Horkheimer, Adorno e Marcuse, tiveram a idéia de misturar Freud e Marx, concluindo que a cultura ocidental era uma doença”, para dessa forma destrui-la. Olavo encerra seu bombástico artigo afirmando peremptoriamente que “por meio do marxismo cultural, toda a cultura transformou-se numa máquina de guerra contra si mesma, não sobrando espaço para mais nada”.

    Em 2013 uma série de artigos de Olavo de Carvalho reunidos e organizados pelo jornalista Felipe Moura Brasil, compuseram a obra O minímo que você precisa saber para não ser um idiota”. O livro tornou-se best-seller, vendendo mais de 150 mil exemplares e ajudou a replicar a concepção de guerra cultural utilizada por Olavo. Influenciados por sua obra e por seus vídeos no YouTube, organizações como o Instituto Mises Brasil, assim como personalidades do mundo da religião, tal qual o Padre Paulo Ricardo, contribuíram para o fortalecimento e propagação da teoria conspiratória do “marxismo cultural”.

    “Marxismo cultural” no mundo evangélico

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    A  corrente narrativa do “marxismo cultural” adentrou o mundo evangélico, a não mais que cinco anos, advinda de setores mais tradicionalistas do catolicismo e de alas ultraconservadoras do cenário político nacional. Como era de se esperar, os primeiros articuladores do conceito foram teólogos calvinistas das igrejas protestantes históricas, caracterizados por possuirem maior aculturamento que os ministros pentecostais e neopentecostais. 

    Teólogos como Augustus Nicodemus, Jonas Madureira, Franklin Ferreira, Yago Martins e Pedro Dulce, por exemplo, ajudaram a fomentar – por meio de vídeos no YouTube e de textos escritos – a narrativa de que a revolução marxista está em operação hoje no Brasil através da mutação da cultura. O que poucos sabem é que, no evangelicalismo brasileiro, o ultraconservadorismo manifestado pelos segmentos pentecostal e neo-pentecostal é derivado dos circulos calvinistas. Dessa forma, o que esses renomados teólogos pregam e ensinam, rapidamente se espraia para o mundo pentecostal, sendo acolhido como tese. 

    Atualmente, não é incomum ouvir pregadores de todos as denominações evangélicas alertando os fiéis contra os perigos do “marxismo cultural”, que é nominado por eles como o grande inimigo da família e da igreja. O argumento principal que utilizam para comprovar a efetividade de tal estratégia político-ideológica da esquerda é a influência e hegemonia do pensamento marxista dentro das universidades e na industria cultural. O que não percebem é que esse argumento ao invés de atestar a fidedignidade do que afirmam, apenas demonstra o quanto essa concepção de “marxismo cultural” não passa de delírio, para não dizer, fetiche evangélico. Isso porque é falaciosa. Segundo uma reportagem do jornalista Paulo Saldaña na Folha de S.Paulo em 2019, apenas 4% de todas as matérias dos programas de mestrado e doutorado em Filosofia no Brasil tem Karl Marx como tema ou referência. Ainda conforme a matéria, um levantamento feito pela anpof (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia), mostra que, de 46 programas de pesquisa na área, 12 têm disciplinas que abordam Marx diretamente, ou 4% do total de 338 disciplinas. 

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    Como se pode ver, Marx não está com essa bola toda, mas para que interesses políticos e ideológicos sejam defendidos, um inimigo imaginário precisa ser criado, domesticado, vendido e combatido. Marxismo cultural é o nome desse inimigo inventado pelos evangélicos.

    * Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP.

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