Plano de proteção a indígenas isolados avança pouco e continua falho
Governo mostra proposta para proteger índios sem contato com a sociedade majoritária. Especialistas apontam desconhecimento da realidade das aldeias
O governo enviou ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta, 29, o Plano de Barreiras Sanitárias para os povos indígenas isolados e de recente contato como forma de proteção contra o coronavírus. A proposta, construída após reuniões na chamada sala de situação, traz alguns avanços, mas continua fraca e sem considerar a realidade das comunidades indígenas, segundo afirmam especialistas.
Indigenistas que conversaram com a coluna elogiaram dois pontos específicos nos quais o governo avançou: reconheceu a necessidade de se instalar a sala de situação local nas regiões onde há registros de povos isolados; e admitiu consultar as equipes de campo sobre sugestões e formas de implementar as barreiras sanitárias em cada região.
Apesar disso, os especialistas apontam que o plano falha em conceitos simples sobre o que é uma base da Fundação Nacional do índio (Funai) e o que é uma barreira sanitária, assim como continua mostrando o total desconhecimento do governo a respeito da realidade dos povos originários que escolheram não manter contato com a sociedade majoritária brasileira.
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Clique e AssinePara Leonardo Lenin, ex-coordenador da Coordenação-Geral da Funai sobre o tema e atual secretário-executivo do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato (OPI), o plano entregue pelo governo é genérico e não leva em conta ponderações importantes feitas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), por exemplo.
“Não há hoje nenhum Plano de Contingência para situação de um eventual contato junto aos 28 povos indígenas isolados elaborado pela Coordenação Geral de índios Isolados e Recente Contato. Não foi entregue ou apontada nenhuma ação nesse sentido pelo governo”, afirma Lenin.
Segundo ele, outra falha do governo foi não ouvir os profissionais que atuam diretamente nas regiões de índios isolados. “Na maioria dos casos, os profissionais das Frentes e dos Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) não foram chamados para se manifestar na construção do Plano de Barreiras Sanitárias entregue pelo governo”, enfatiza.
Até esta sexta-feira, 31, a APIB, a Procuradoria-Geral da República, a Defensoria Pública da União e o Conselho Nacional de Justiça devem se posicionar sobre o plano apresentado pelo governo.
No documento enviado ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que o governo tem adotado medidas desde janeiro deste ano, antes mesmo da declaração de pandemia pela OMS, para proteger as comunidades indígenas. Especialistas, no entanto, discordam dessa afirmação e reclamam da demora do governo em dialogar com representantes dos indígenas.
Em outro ponto do documento, a AGU diz que “até o presente momento, não há registros de casos de Covid-19 entre as populações indígenas isoladas”. Como a coluna revelou, um caso de contaminação foi confirmado na terça-feira, 28, numa aldeia kanamari que fica a pouco mais de 15 quilômetros de grupos de índios isolados na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.
A preocupação de indigenistas é de que o vírus chegue rapidamente aos índios isolados, já que não existem barreiras sanitárias na região e os índios isolados não possuem imunidade para resistir à doença.
A AGU também ressalta que recebeu, no dia 28 de julho, um documento com 58 páginas da APIB e que, por conta do prazo determinado pelo ministro Barroso, “não houve tempo suficiente para a consideração acurada do documento apresentado pela APIB, o que não impede que as sugestões nele alvitradas sejam incorporadas futuramente”.
Entre as ações a serem realizadas, o documento do governo federal prevê que a Funai deverá, entre outras medidas, instalar e operar, em conjunto com a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), salas de situação locais para a coordenação das ações, empregando combinações adaptadas a cada caso, com pessoal e expertise regional.