Por que a geração Z está namorando menos?
Teólogo Rodolfo Capler chama a atenção para a mudança de comportamento entre os mais jovens que estão praticando novas formas de enlaçamento afetivo
A partir da virada do fim do século 19 para o início do século 20, o namoro como conhecemos hoje, tornou-se um modelo cultural nas sociedades ocidentais. Antes disso, os jovens praticavam os namoros de “corte”; restringidos ao espaço da varanda da casa dos seus pais e sem contatos físicos mais profundos – era-lhes apenas permitido dar as mãos. Com o passar do tempo, o namoro foi evoluindo e tornando-se mais permissivo. Segundo a historiadora estadunidense Beth Bailey, em seu seminal livro sobre o namoro na América From Front Porch to Back Seat [Da varanda da frente para o banco de trás], o namoro tornou-se cada vez mais “um ato privado, conduzido no mundo público”. Os jovens substituíram a companhia dos pais e passaram então, a sair juntos para os salões de festas, cinemas e “estacionamentos”, onde podiam namorar mais à vontade e desfrutarem de mais intimidade.
Como prática cultural o namoro alcançou seu ponto alto nas décadas de 60 e 70 – com os celebrados namoros midiáticos da época, incluindo o da atriz Sharon Tate com o cineasta Roman Polanski e o do vocalista do The Doors, Jim Morrison, com a jovem Pamela Courson – porém, nos últimos vinte anos, vêm sofrendo um grande declínio. A resistência dos jovens ao namoro é apontada nas mais recentes pesquisas geracionais, como num estudo de 2017, conduzido pela pesquisadora da Universidade de San Diego, Jean M. Twenge, com mais de quatro milhões de jovens norte-americanos. Twenge destaca que os jovens nascidos a partir de 1995 – os quais foram batizados por ela como Geração I (de internet, Iphone…) -, “estão sendo amedrontados para evitar o namoro”. Em meu trabalho como pesquisador nas escolas estaduais de Piracicaba, interior de São Paulo, durante os anos de 2018 a 2020, pude constatar uma atitude refratária da nova geração no que diz respeito às relações afetivas concretas. À época, apenas 25% dos 300 estudantes entrevistados por mim, afirmaram namorar. Invariavelmente, eles preferiam relações virtuais e casuais, como o sexting, a se comprometerm por meio de relacionamentos físicos mais duradouros.
O declínio do namoro também é uma tendência entre os jovens no Japão, Reino Unido, Alemanha, Suécia e Rússia. Segundo as recentes pesquisas geracionais, o contato com o smartphone é o principal fator motivador do fenômeno. O excessivo acesso às redes sociais on-line deflagrou um analfabetismo emocional, sem precedentes, entre os mais jovens, que não sabem estabelecer relações concretas presenciais. Isso pode ser exemplificado pela prática virtual tão comum do “ghostin” (quando um cônjuge virtual desaparece do nada como um fastasma, sem deixar nenhuma informação ou explicação ao seu parceiro).
A queda do namoro entre os mais novos está surtindo alterações no tecido social. Consequentemente, os jovens estão (segundo as últimas pesquisas), fazendo menos sexo – o que vem refletindo na diminuição das DSTs e na redução da gravidez na adolescência -, e estão se casando com menos frequência e mais tardiamente – o que tem gerado uma considerável queda de natalidade no Brasil e impulsionado o surgimento de novos arranjos familiares, como a família unipessoal, formado por um único indivíduo. O mercado também vem experimentando um impacto desfavorável com o declínio do namoro; as vendas e os faturamentos vêm despencando entre a juventude, sobretudo durante a data do Dia dos Namorados, nos últimos anos.
Para bem ou para mal, a queda do namoro tem repercutido na formação da nova geração de jovens. Conceitos tradicionais como noivado, casamento, família tradicional e criação de filhos, serão profundamente alterados – se não extinguidos – nos próximos anos. O namoro que surgiu como uma expressão cultural moderna já está com os dias contados.
* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP