Esta semana duas medidas sobre política educacional ganharam os holofotes do noticiário: de um lado o governador de São Paulo Tarcisio Gomes de Freitas com a implementação das escolas cívico-militares; de outro, o governador do Paraná Ratinho Junior com o projeto de terceirizar a gestão de algumas escolas para a iniciativa privada. As medidas fazem parte de um movimento bem maior, que há tempos vem avançando e preocupa os que pensam a educação como política de médio e principalmente longo prazo.
Do movimento escola sem partido ao kit gay, vira e mexe pululam discussões acaloradas sobre os rumos da educação brasileira. É evidente que a implementação de políticas públicas são permeadas por ideologias, por escolhas e ideias dominantes de grupos e correntes políticas. É assim mesmo que funciona. Ideais são disseminados, engajam e criam forças de pressão.
Foi por imaginar uma saúde universalizada que representantes da sociedade civil ligados a profissionais de saúde pressionaram pela criação do SUS na Constituição de 1988. Havia correntes que queriam total inserção do Estado, outras que pensavam o contrário. Os planos de saúde, por exemplo, não eram defendidos por todos, mas passaram. É do jogo político e democrático. Ganha-se de um lado e perde-se de outro. Garantiu-se, contudo, mesmo com falhas e desafios, a integralização de um serviço de saúde universal em todo território nacional.
Naquele momento, mesmo diante de embates acalorados, não era a preferência política do médico que atenderia em postos ou hospitais, a informação de maior relevância. Se ele havia nascido no Norte, no Sul ou no Nordeste também não. Se havia votado no PMDB ou PT tampouco. As preferências políticas envolvem um conjunto de fatores que vai muito além do voto que alguém deposita em algum candidato e mesmo das defesas que faz a favor dele em algum momento da vida.
E ao contrário do que se viu no debate do SUS ou mesmo nos avanços educacionais dos anos 1990 e da primeira década de 2000, o tema política pública de educação não é mais um debate programático de ideias e escolhas, de modelos e metas. Em tempos de polarização efetiva, as discussões que giravam em torno de políticas públicas se transformaram em uma disputa por quem mais tem o direito de expor seu pensamento em sala de aula.
Os movimentos de extrema direita descobriram há muito tempo que a sala de aula era o espaço perfeito para isso. Viram que o terreno era fértil para implantar a ronda moralista e fiscalizar os discursos dos professores. Foram além e perceberam que era o lugar igualmente adequado para adolescentes se engajarem como arautos de uma discussão “mais limpa”, “sem partidos” e “sem ideologias”. Soma-se a tudo isso cortes de vídeos em redes sociais e o desastre está feito. Claro que ao pedir algo “sem partido” ou “sem ideologia” o que se está pedindo é que se coloque no lugar outra ideologia, outro partido, em detrimento daquele que é vigente.
É isso, por exemplo, que fazem governadores bolsonaristas como Tarcísio, Ratinho Júnior e Jorginho Mello de Santa Catarina. Deixa-se de lado a educação como projeto de Estado e a transforma em mero serviço a favor de uma corrente política. No caso das escolas cívico-militares fica evidente o interesse em atender ao público que está afoito por limites e pela inserção de ideologias de extrema direita e não por educação de qualidade.
Estamos em pleno século XXI, onde o que mais importa é o questionamento e a proposição de ideias para a resolução de problemas. Não é obedecendo à formação de filas e à limpeza do sapato que se faz um país mais educado e profissionalmente mais qualificado. Organização, educação e razoável disciplina para vencer desafios são características desejáveis ao ser humano que habita a coletividade e precisam fazer parte da cultura de um país, indiferente se estudam em escolas públicas, privadas, militarizadas ou não.
E nessa guerra toda perde-se o principal: o debate. No caso da gestão de escolas, temos um problema que não é de agora. Professores, cuja formação já é deficitária para a área que ocupam em sala, tem de assumir postos de gestão, em que na esmagadora maioria das vezes, não estão preparados. Essa tem sido uma reclamação dos docentes federais que foram ouvidos para esta coluna há alguns dias. Exige-se demais do professor em funções cujo preparo não existe.
Debateu-se os problemas inerentes a estes desafios? Obviamente que não. Aqui é acolá uma matéria ou reportagem ouvindo especialistas, mas o pano de fundo foi estampado pelas torcidas e seus gritos de guerra já largamente conhecidos: “tem de privatizar para melhorar a gestão” e do outro lado “educação não é mercadoria”. Ninguém quis falar de meios termos, de exemplos na Inglaterra e nos Estados Unidos da terceirização da gestão, mas que mostram pouco resultados ou de iniciativas que estão dando certo aqui no Brasil como Ceará e Pernambuco em escolas de tempo integral.
As questões são muito mais complexas do que privatizar ou estatizar tudo. Mas a verdade é que ninguém quer saber de debater o problema, apenas enfrentar o adversário – que na verdade se tornou inimigo – e vencer a batalha nas redes. E quem perde com tudo isso são as gerações futuras que deixam de receber uma formação condizente com a realidade que os cerca.
* Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna