O histórico voto da ministra Rosa Weber – defendendo a descriminalização do aborto e apontando que as mulheres foram “silenciadas” sobre o tema por décadas – cairá como uma bomba na sociedade brasileira.
Não serão só os seguidores mais radicais de Jair Bolsonaro que reclamarão.
Grande parte do segmento evangélico, hoje cerca de 31% dos brasileiros, tratará o voto como mais um movimento ideológico da corte, e não como uma decisão técnica sobre um tema de saúde pública. A Igreja Católica, também. Dom Odilo Scherer postou, logo após o voto, uma foto de Maria e Isabel juntas – Isabel com a mão na barriga de Maria e escrito: “Momento em que um FETO chamado João Batista reconheceu um EMBRIÃO chamado JESUS”.
É a coalizão religiosa entre católicos e evangélicos que vai se postar contra esse debate no Brasil.
O fato de Rosa Weber estar prestes a se aposentar do Supremo agrava a situação.
A ministra deu um voto contundente sobre o histórico pensamento patriarcal brasileiro, que levou as mulheres a serem “subjugadas”, “excluídas da arena pública” e “tratadas à margem da sociedade”.
Sobre o aborto em si, Rosa Weber escreveu, ao votar a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação:
“A questão da criminalização [do aborto], portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de setenta anos em nosso país. À época, enquanto titular da sujeição da incidência da tutela penal, a face coercitiva e interventiva mais extrema do Estado, nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas!”
A magistrada referiu-se ao Código Penal de 1940 e repetiu:
“Na época, não tínhamos como nos expressar. Fomos silenciadas. [Isso] diz respeito à vida reprodutiva da mulher. Mais que isso, fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade”.
Rosa Weber ainda defendeu que “a criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto”.
A ministra fez todas essas afirmações em ação movida pelo PSOL, um dos partidos brasileiros mais à esquerda do espectro político. Só de o pedido ser da legenda já será motivo de intenso debate.
Mas há ainda um outro problema que diz respeito ao julgamento e que será explorado pela extrema-direita brasileira, segundo apurou a coluna.
A descriminalização do aborto, um dos maiores tabus do conservadorismo brasileiro, deveria estar, na opinião deles, sendo debatido no plenário físico, e não no virtual.
É que só está acontecendo assim porque não há tempo hábil para Rosa Weber proferir o seu voto no plenário físico. Ela completa 75 anos no dia 28 de setembro, quando é obrigada a deixar a corte.
O voto foi o único contabilizado e o próximo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, pediu destaque em seguida, travando a continuidade do processo no plenário virtual, mas com o voto de Rosa Weber já computado. O resto do debate, quando acontecer, será no plenário físico.
A extrema-direita vai alegar que houve açodamento, pressa, precipitação. Mas foi só o voto da Rosa Weber até agora.
Hoje, a legislação afirma que é legal fazer aborto apenas em caso de fetos anencéfalos, de gravidez resultado de estupro ou quando não há risco para a vida da gestante.
A liberação do aborto até o terceiro mês de gestação, se vencida a tese de Rosa Weber, será uma mudança gigantesca no ordenamento jurídico brasileiro. Já no meio político, tem esse potencial bombástico que levará a debates intermináveis, inflando a intrincada polarização brasileira.