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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

Quanto custaria ao país para evitar tragédias como a do RS

Na segunda parte da entrevista de Carlos Nobre à coluna, o cientista aponta o caminho para o futuro: investimento de quase R$ 200 bilhões

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 14h57 - Publicado em 8 Maio 2024, 15h59

Carlos Nobre, maior climatologista da História do país, salvou inúmeras vidas ao criar o Cemaden, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Se sua ideia inicial tivesse sido acatada por gestões federais ou estaduais, o número de pessoas mortas no Rio Grande do Sul teria sido muito menor. O cientista sempre defendeu que era preciso nacionalizar o sistema.

Na segunda parte da entrevista à colunaa primeira pode ser lida aqui – Carlos Nobre garante que não há mais volta. “Se o planeta continuar aquecendo e as emissões dos gases de efeito estufa não diminuírem, esses eventos extremos vão acontecer ainda mais vezes, quebrando mais recordes”.

A única solução para salvar vidas, na visão dele, é um mega investimento para aumentar a infraestrutura relacionada a eventos extremos e educar a população sobre o que fazer quando houver situações de alagamentos, por exemplo, como aconteceu no Rio Grande do Sul.

“O Brasil tem condições tecnológicas de fazer isso agora. Precisa de mega investimentos. Nós estamos falando em mais de 100 bilhões, 200 bilhões, para criar esse sistema total em todo o Brasil, enquanto não se tira essas milhões de pessoas dessas áreas de risco. Então, eu vejo que imediatamente tem que educar as pessoas e criar a infraestrutura para elas se hospedarem por dias nesses locais de segurança enquanto o desastre está acontecendo”, disse à coluna.

O custo é alto, sim. Mas quanto vale uma vida? O Rio Grande do Sul poderia ter salvo famílias inteiras se tivesse usando tecnologias já utilizadas em Petrópolis e São José dos Campos.

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O governo brasileiro tem a cultura de ser reativa, apenas. Esperar acontecer a tragédia para depois tomar as medidas necessárias. Leia abaixo o que diz Carlos Nobre sobre como o Brasil precisa se preparar para as mudanças climáticas que se avizinham, com o aumento da temperatura na Terra.

O que esperar do futuro após o que aconteceu no Rio Grande do Sul

Se o planeta continuar aquecendo, como vem aquecendo, e as emissões dos gases de efeito estufa não diminuírem no planeta, esses eventos vão acontecer ainda mais vezes, quebrando mais recordes. Então, no curtíssimo prazo, tem que ter o sistema de alerta, sistema de proteção, para onde as pessoas serão deslocadas, alimentos, água, remédios, proteção. E as pessoas têm que ser educadas. A gente viu também vários casos lá no Rio Grande do Sul em que a pessoa está no segundo andar, não sai da sua casa, os barcos passam embaixo e elas não saem. Então, isso tem que ter muita educação. Por exemplo, na região serrana do Rio. No final de março nós tivemos um super evento extremo, com uma chuva numa quantidade enorme. Em 24 horas choveu mais de 300 milímetros na região serrana do rio, em parte do Espírito Santo, e o número de mortos foi absolutamente pequeno. Isso porque as pessoas estão capacitadas na região serrana do rio. Uma família não saiu da sua casa e morreu. Foram quatro pessoas da mesma família porque a casa caiu na encosta. Mas veja bem: olha a diferença quando você tem as populações preparadas e houve desastres, deslizamentos, casas destruídas. Pouquíssimas pessoas morreram. Então, precisa ter uma capacitação educacional das populações. Milhões de brasileiros, quando tiverem esses super eventos extremos tem que se proteger. O melhor exemplo do mundo é o Japão. O Japão com terremotos. O terremoto, ao contrário desses eventos extremos de chuva, não existe previsão. O anúncio do terremoto é na hora que ele começa. No Japão, muitas décadas atrás, os terremotos mataram milhares e milhares, às vezes mais de 10 mil pessoas. Hoje, eles matam algumas dezenas de pessoas, porque todo mundo é super preparado. Os alunos até do fundamental já são ultra preparados para saber responder em cada casa, em cada prédio, em cada construção. Eles sabem para onde correr. Isso é um evento de desastre. Terremotos e até vulcões, que não tem previsão.

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Mas como podemos trazer esse conhecimento para o Brasil

A maioria desses eventos extremos aqui tem previsão de dias, como esses que eu falei que o Cemaden faz. A preparação é muito melhor porque não tem que sair correndo. Vai para um lugar protegido, já põe todo um reservatório de comida, de alimento, de água, sistemas de geração de energia eólica e solar, para não depender da linha de transmissão. Tudo isso pode ser feito. E o Brasil tem condições tecnológicas de fazer isso agora. Precisa de um mega investimento, nós estamos falando aí, em mais de 100 bilhões, 200 bilhões, para criar esse sistema total em todo o Brasil, enquanto não se tira esses milhões de pessoas dessas áreas de risco. Então eu vejo o que imediatamente tem que ser feito: educar as pessoas e criar a infraestrutura toda para se hospedarem por dias nesses locais enquanto o desastre está acontecendo. E, até mesmo depois que o desastre aconteceu, se as casas foram levadas, essas pessoas têm que ter locais de hospedagem, até a nova casa ser construída – aí sim um local seguro. E o que a gente viu lá com aquele desastre na região serrana do Rio de Janeiro de 2011, que matou 930 pessoas – maior desastre de mortes na história do Brasil – é que os governos da época, o governo estadual, governos municipais, todos prometeram tirar grande parte da população nessas áreas de altíssimo risco. Tiraram um número ridiculamente menor, mas a maioria das pessoas voltou, reconstruiu. É isso que não pode acontecer. E não pode acontecer também no Rio Grande do Sul. vamos ver agora se realmente as casas todas que foram destruídas ali pelas enchentes sejam reconstruídas em locais seguros para essas populações viverem. 

Para evitar mortes é preciso investimento e educação

Exatamente. Exatamente. Isso é essencial. Eu dei um bom exemplo do Japão desde o ensino fundamental. O Cemaden tem um projeto chamado Cemaden Educação que é belíssimo. Instalou um grande número de pluviômetros em escolas, escolas em áreas de risco e também escolas em áreas próximas a áreas de risco, de deslizamentos, mas também inundações. Os alunos e as alunas – todos foram capacitados. Desenvolveu uns aplicativos de colocar no computador, que capacitaram os alunos. Os jovens – segunda parte do Ensino Fundamental e principalmente o Ensino Médio – sabem o risco e também como acessar todos os dados alertas. É muito interessante porque ao longo dos anos esses alunos já salvaram vidas. Eles perceberam que teriam um alerta de deslizamentos ou de inundações. Os alunos estavam medindo a quantidade de água e chegaram a convencer populações a saírem de suas residências e muitas delas desabaram depois. Quando eu falo educação, lógico, tem que educar todos, mas é muito importante começar a educar os jovens, como lá no Japão. É obrigatório esse ensino, que aqui no Brasil também tem que se tornar obrigatório. A gente não fala muito, mas quando alguém pergunta: os eventos extremos do aquecimento global matam muita gente com deslizamentos e inundações? A resposta é não. Eles matam pouca gente com inundações e deslizamentos. Eles matam uma quantidade enorme de pessoas com ondas de calor. Onda de calor é o que mais leva a morte, leva mais de 100 vezes o número de mortes por deslizamentos e inundações. E as mortes são de idosos e idosas, principalmente mulheres idosas acima de 75, 80 anos são muito sensíveis a ondas de calor. Também as populações têm que estar muito preparadas quando tiver uma onda de calor. Populações pobres que não têm ventilador e nem ar condicionado tem que sair de suas residências e serem levadas a um lugar protegido. É um enorme e gigantesco investimento que tem que ser feito.

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